Daniel Seabra, docente universitário, antropólogo e investigador de claques de futebol e holiganismo é o autor do livro "Claques de futebol. O teatro das nossas realidades". Perante o cenário de jogos à porta fechada, quando os campeonatos forem reatados, com o objetivo de minimizar a propagação do novo coronavírus, Bola Branca questionou Daniel Seabra sobre a importância dos adeptos no futebol.
“Esta paragem do futebol profissional vem demonstrar
que este só pode existir havendo adeptos dispostos a pagar pelo espetáculo
futebolístico. Os adeptos são fundamentais e esta pausa permitiu-nos reforçar a
consciência disso mesmo”, argumenta o antropólogo.
Com as bancadas vazias, os adeptos poderão assistir aos jogos pela televisão, mas Daniel Seabra assinala as grandes diferenças que o espetáculo irá apresentar.
"Mesmo sabendo que os jogos podem ser televisionados, a cor e a participação nos espetáculos é absolutamente fundamental. Pelos dados que podemos registar em todos os campeonatos é conhecida a influência que o público pode ter na própria dinâmica do jogo e isso é demonstrado pelo facto dos clubes que jogam no seu estádio, na maior parte das situações, registarem o maior número de vitórias. Olhamos para o campeonato inglês, italiano ou espanhol e vemos toda a dinâmica que está subjacente ao jogo e à interação que o público tem com os jogadores", refere o docente universitário.
O ângulo emocional do espetáculo
Daniel Seabra enumera aspetos no plano emocional que tornam o futebol um desporto especial para os adeptos, precisando destes.
"O futebol é emoção, é uma atividade que pressupõe uma unidade de ação, espaço e tempo que instaura uma ordem diferente da quotidiana e que permite às pessoas viverem um clima de tensão e excitação agradável. O futebol constitui uma grande oportunidade para uma vivência intensa de emoções que permite ao adepto viver a tristeza mais profunda transformada apenas num segundo por um golo ou por um lance, na emoção mais intensa, golo mais festejado e manifestação mais alegre. E essa essa cor, essa dinâmica e esse som que dá vida ao espetáculo futebolístico”, refere.
A valorização que o adepto confere ao jogo
Ainda não há certezas quanto às datas do regresso dos campeonatos, mas há unanimidade relativamente às bancadas vazias. O futebol fica mais desvalorizado, na opinião de Daniel Seabra.
“O futebol profissional poderá continuar a existir mesmo à porta fechada. As receitas televisivas são fundamentais para os orçamentos dos clubes e é uma pena que por vezes os interesses das televisões se sobreponham aos dos adeptos que gostariam e de ir aos estádios ver os seus clubes, e que se veem confrontados com horários e dias inapropriados, muitas vezes pouco compatíveis com a sua atividade profissional. Gostaria que esta paragem permitisse perceber, também, que é o adepto de futebol que dá valor ao espetáculo desportivo. Quando o adepto se desinteressar, o futebol morrerá enquanto atividade profissional e enquanto espetáculo. Persistirá apenas e tão só como jogo que também é”, antevê.
A paixão pelos clubes e os castigos inadequados
As emoções dos adeptos pelo jogo e durante o espetáculo está também ligada ao sentimento que nutrem pelos seus clubes. Daniel Seabra é por essa razão muito crítico quanto às penalizações dos clubes com jogos à porta fechada.
“Toda a emoção que o futebol gera decorre também e sobretudo da forte identificação que as pessoas têm dos seus clubes. Os clubes não são entidades isoladas, são instituições que se inserem num contexto local, social político e também nacional. Como tal, veiculam identidades regionais, locais, nacionais e em alguns casos empresariais. E é por isso que as pessoas se identificam com os clubes e a presença num estádio permite celebrarem um ritual de forte pertença comunitária no qual milhares de pessoas com diferentes histórias acabam por estar unidas numa comunidade imaginada, num destino comum e numa causa que pretendem defender. É essa identificação e necessidade de ver o clube ganhar para se sentirem vitoriosos que leva os adeptos aos estádios. Esta é a razão pela qual não tenho nenhuma simpatia pelas penalizações que implicam jogos à porta fechada. Isso mata o espetáculo e é lesivo para muitos adeptos de futebol’ considera o antropólogo.