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Depende? Mas depende de quê?
Se o único critério para estabelecer um ranking da qualidade das escolas for o resultado dos alunos nos exames ou as suas notas internas finais é hoje bem sabido que o que se mede não é só o resultado do trabalho escolar e sim, também, os efeitos de muitas outras variáveis, designadamente as características que os alunos trazem consigo — de casa e da sua experiência anterior.
Qualquer pessoa percebe que uma escola frequentada por filhos de pessoas com algumas posses (por exemplo para pagar explicações) e sobretudo com alguma escolaridade (especialmente da mãe) tem muito mais hipóteses de poder apresentar bons resultados do que uma escola frequentada por crianças de bairros sociais, filhos de pessoas pouco abonadas, sem grandes possibilidades de lhes satisfazer até necessidades básicas como alimentação e sono em quantidade e qualidade apropriadas – quanto mais de lhes proporcionar um contexto, atenção e hábitos de trabalho.
Percebe-se também facilmente como uma ocupação de tempos livros variada, como viajar, visitar diferentes locais, ir a museus, frequentar cinemas e bibliotecas ou consultar a internet é mais enriquecedora do que passar os tempos livres em centros comerciais, a ver televisão ou a jogar no telemóvel…
A influência das condições económicas é particularmente óbvia no recurso preventivo e remediativo a explicações constituindo uma espécie de “escola sombra” que tem vindo a prosperar e a multiplicar-se nas últimas décadas. Traduz uma elevada expetativa dos pais de classe média que contrasta com a frequente resignação de pais menos escolarizados (“A professora diz que a cabeça dele não dá para os estudos... Sai ao pai, ao tio, etc.”) Aliás, não é só a expetativa dos pais relativamente ao desempenho escolar de crianças e jovens que condiciona os seus resultados escolares.
Experiências como a de “Pigmalião nas escola” de Rosenthal e Jacobson mostraram como a expetativa (incluindo a que deriva de preconceitos) do professor condiciona não só os seus resultados escolares como até o seu desempenho em testes de medição ditos de “inteligência” (Q. I.)
Podemos, assim, dizer que as diferenças de oportunidades relativamente à educação e à escolaridade não são apenas económicas ou que estas se exprimem e desenrolam noutras diferenças com efeitos visíveis em correlações estatísticas. Uma das pessoas que melhor tem estudado estas condicionantes, Maria João Valente Rosa, acentua a importância da correlação entre os níveis de escolaridade dos pais e o desempenho escolar dos filhos, sublinhando sobretudo esta correlação com os níveis de escolaridade das mães o que atribui ao papel (ainda) mais próximo das mães no acompanhamento dos filhos.
As crianças que veem os pais ler livros, a quem os pais perguntam pelos estudos e a quem têm possibilidades de proporcionar boas condições de desenvolvimento físico e mental têm, obviamente, oportunidades muito superiores às de outras cujos pais não compreendem nem valorizam as atividades escolares.
Outra diferença importante reside, por outro lado, na valorização que a escola faz dos diferentes saberes que os alunos trazem. E se os saberes académicos e escolares são reconhecidos e valorizados, é muito mais raro encontrar escolas e professores que saibam reconhecer (e menos ainda valorizar) saberes que até podem ser mais necessários na vida real e capacidades manuais ou ainda de interação social. O livro “Carta a uma Professora” pelos rapazes de Barbiana é uma denúncia vigorosa do desprezo da escola por determinados conhecimentos e competências.
Daqui decorre que estabelecer rankings de escolas pretendendo-se estar a medir a qualidade do ensino proporcionado, mas sem ter em conta a população que as frequenta, é incorrer num erro de julgamento que pode mesmo constituir uma profunda injustiça. Escolas como as que hoje em Portugal são frequentadas por alunos de mais de 100 nacionalidades e línguas e que se esforçam por proporcionar respostas diversificadas para os apoiar e para tornar essa diversidade um enriquecimento para todos – podem não ver esses seus esforços generosos e inovadores traduzidos em resultados académicos que não têm em conta outro tipo de competências, porventura até mais necessárias ao mundo de amanhã.
Outra possível consequência negativa dos rankings será a valorização das disciplinas mais suscetíveis de exames e resultados mensuráveis e a consequente desvalorização de áreas disciplinares como as áreas físicas, sociais e artísticas — tão ou mais importantes que as mais facilmente mensuráveis — o que se traduzirá numa visão bastante limitada do conhecimento humano.
De facto, a educação – e o direito à educação – abrange muito mais conhecimentos, capacidades, competências do que aquilo que um exame pode medir. É essa consciência que é preciso ter quando se apreciam os rankings de escolas.
Instituem também um espírito competitivo contrário à orientação inclusiva (v. d-l nº 54/2018 de 6 de Julho) e de valorização da diversidade e da cooperação que são conformes à legislação portuguesa e internacional dos direitos humanos.
Então? Não aos rankings?
Há algumas vantagens nos rankings, se forem assumidas as suas limitações, e entendidos como uma base para uma avaliação formativa das escolas. A primeira vantagem terá sido a enfase na aprendizagem em substituição da anterior concentração de atenção no ensino. Por outro lado, uma análise cronológica da posição de determinada escola nos rankings pode alertar esta escola para o significado positivo ou negativo de qualquer mudança de posição. Ou o desequilíbrio entre resultados numa área disciplinar relativamente a outras áreas disciplinares duma mesma escola pode constituir um alerta para se tentar compreender o seu significado. Também a nível do sistema educativo, os rankings podem constituir uma chamada de atenção para a necessidade de mudanças (por exemplo, de critérios de inscrição dos alunos ou de obrigatoriedade de frequência de jardins de infância…)
Ou seja, e para concluir estas notas: os rankings poderão ter algum interesse mas tudo depende… De quê ? Da intenção subjacente, da consciência das suas limitações e da sua relativização, da interpretação que se lhes dê, do que se espera da escola e da educação.
Reconhecendo-lhes algumas vantagens, receio que a sua utilização seja demasiado suscetível de abusos interpretativos injustos e mesmo perigosos e preferia claramente o desenvolvimento e divulgação de investigações e avaliações mais completas e coerentes com os princípios democráticos.
Maria Emília Brederode, antiga presidente do Conselho Nacional de Educação