O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, vai a julgamento no processo Selminho, onde é acusado de favorecer a imobiliária da família, da qual era sócio, em detrimento do município.
A juíza Maria Antónia Ribeiro, do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto, decidiu pronunciar (levar a julgamento) o autarca, “nos exatos termos” da acusação do Ministério Público (MP), disse à agência Lusa fonte judicial.
No debate instrutório, realizado em 29 de abril, o MP defendeu que Rui Moreira fosse a julgamento, reiterando que, enquanto presidente do município, agiu em seu benefício e da família, em prejuízo do município, no negócio dos terrenos da Arrábida. Isto, num conflito judicial que opunha há vários anos a câmara à empresa imobiliária (Selminho), que pretendia construir num terreno na escarpa da Arrábida.
A defesa de Rui Moreira, acusado de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato, requereu a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um Juiz de Instrução Criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento.
Segundo a acusação do MP, a Selminho, de que Rui Moreira e familiares detinham parte do capital social, “vinha, desde 2005, esgrimindo perante o município o direito de construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida, no Porto, direito que o município não lhe reconhecia”.
Isto por a autarquia entender que as operações urbanísticas pretendidas pela Selminho não estarem de acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM).
A acusação conta que, “face a esta posição do município, a Selminho instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 15 de dezembro de 2010, uma ação em que pedia a declaração de ilegalidade dos artigos 41.º e 42.º do PDM - normas de que derivava a inviabilidade da construção - ou, se tal pedido improcedesse, a condenação do município no pagamento de uma indemnização pelos danos causados pela aplicação daquelas normas ao terreno onde queria construir”.
A acusação do MP sustenta que, após tomar posse como presidente, em outubro de 2013, Rui Moreira determinou que o município alterasse a posição jurídica e/ou urbanística “que vinha sucessivamente adotando, quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos, relativamente à pretensão” da Selminho de construir num terreno na escarpa da Arrábida.
“Tal alteração de posição foi motivada pela intenção de beneficiar a sociedade comercial de que era sócio com os familiares; e que se concretizou na assunção pelo município, em transação judicialmente homologada em setembro de 2014”, refere a acusação.
A transação foi realizada “sem qualquer autorização da Assembleia Municipal, do compromisso de diligenciar, nomeadamente durante a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), pela alteração da qualificação do solo do terreno, de modo a que esta pudesse aí construir, e na aceitação de submeter a um tribunal arbitral a fixação de uma indemnização devida à sociedade comercial caso as alterações ao plano diretor municipal não fossem efetuadas”.
No acordo de 2014, no primeiro mandato do independente, o município assumiu o compromisso de devolver capacidade construtiva àquele terreno, na Calçada da Arrábida, no âmbito da atual revisão do PDM, ou recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.
No centro da disputa estava um terreno na escarpa do Douro, vendido por um casal que, em Montalegre, o registou por usucapião à imobiliária Selminho, em 2001, e que o tribunal considerou ser propriedade municipal, na sequência de uma ação movida pela autarquia em 2017.
Este processo foi iniciado após ter sido divulgado que um técnico da autarquia concluiu serem municipais 1.661 dos 2.260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa da Arrábida.
Em maio, o Supremo confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto, julgando improcedentes os recursos apresentados pela Selminho, imobiliária da família do presidente da Câmara do Porto, e pelo casal que em 2001 vendeu à empresa um terreno na Arrábida.
Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão da primeira instância que, em janeiro desse ano, julgou “nula” a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, ordenando o “cancelamento” da sua inscrição na Conservatória do Registo Predial.