Coronavírus. Trump diz que está a tomar hidroxicloroquina
18-05-2020 - 21:34
 • Renascença

Medicamento não está aprovado para o combate à Covid-19 em todos os países e, segundo os especialistas, pode até ser perigoso em algumas patologias.

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O Presidente dos Estados Unidos garante que está a tomar hidroxicloroquina, um controverso medicamento ainda não aprovado pela generalidade dos países para o combate à Covid-19. "Tenho tomado na última semana. Um comprimido por dia e zero sintomas", referiu.

Perante esta declaração do líder norte-americano, Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, disse esta segunda-feira à Renascença, que Trump deu mais uma prova de ignorância.

“O que o senhor Trump nos acabou de dizer é que este é mais um assunto em que também é ignorante, em que além de desconhecer os efeitos da hidroxicloroquina, não tem seguido os aconselhamentos da comunidade médica cientifica, quer dos Estados Unidos, quer do mundo mais desenvolvido, porque nós neste momento sabemos que a utilização profilática da hidroxicloroquina não tem qualquer utilidade na prevenção da Covid e provavelmente não é tão segura como ele diz e está associada a toxicidade nomeadamente do ponto de vista cardiovascular”, referiu.

Donald Trump tem defendido a utilização deste medicamento contra o novo coronavírus, apesar de muitos especialistas não confirmarem a sua efetividade e até o considerarem perigoso em alguns casos.

Em abril, o responsável da agência de vacinação dos Estados Unidos diz que foi afastado por pressão política, por se ter oposto ao investimento em hidroxicloroquin. Rick Bright foi afastado do seu cargo depois de ter entrado em conflito com a Human Health Services (HHS), o equivalente à Direção-Geral da Saúde dos EUA, por causa da aposta no medicamento.

“Creio que esta transferência foi uma reação à minha insistência de que o Governo invista os milhares de milhões de dólares alocados pelo Congresso para enfrentar a pandemia de Covid-19 em soluções cientificamente comprovadas e não em medicamentos, vacinas ou outras tecnologias que não tenham mérito científico. Estou a falar agora porque se queremos combater este vírus mortal tem de ser a ciência – e não a política ou o clientelismo – a liderar”, afirmou Bright.

A Agência Europeia do Medicamento alertou também em abril para os efeitos colaterais que este tipo de medicamentos pode causar, por exemplo, no ritmo cardíaco. A cloroquina e a hidroxicloroquina podem igualmente provocar convulsões, danos no fígado e nos rins e baixar o nível de açúcar no sangue.


O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é outro dos entusiastas do medicamento. Diferenças de opinião no seu Governo já levaram à saída do ministro da Saúde. Luiz Henrique Mandetta, demitido em abril, afirmou, em entrevista à Folha de São Paulo, que o uso da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 pode aumentar o número de mortes por arritmia cardíaca.

Ainda esta segunda-feira, a Sociedade Brasileira de Imunologia divulgou um parecer científico em que se lia que "a escolha desta terapia (com hidroxicloroquina), ou mesmo a conotação que a Covid-19 é uma doença de fácil tratamento, vem na contramão de toda a experiência mundial e científica com esta pandemia. Este posicionamento não apenas carece de evidência científica, além de ser perigoso, pois tomou um aspecto político inesperado".

Na semana passada, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, afirmou que em Portugal não há registo de reações adversas ao fármaco hidroxicloroquina.

“É um medicamento que deve ser usado de acordo com as suas indicações, pensando-se sempre o que se pesa quando se faz uma prescrição clínica, que são os riscos e os benefícios. A decisão de utilizar é uma decisão médica e sabemos, através do Infarmed, que até à data em Portugal não foram reportadas reações adversas no âmbito do sistema de fármaco vigilância”, disse Graça Freitas.

A diretora-geral da Saúde sublinha que as instituições nacionais e internacionais continuam a acompanhar a “evolução da utilização deste medicamento em todo o mundo e vão ajustando as suas recomendações de acordo com essa evolução”.

A cloroquina ou hidroxicloroquina é um dos quatro medicamentos (ou combinações de medicamentos) que estão a ser testados no ensaio clínico solidário ("solidarity trial") promovido pela OMS à escala global, com a participação de vários países.

A hidroxocloroquina é um medicamento antiviral, utilizado no tratamento da malária, mas que também está a ser usado em doentes com Covid-19.

Em declarações à Renascença, a 27 de março, a propósito da norma da Direção-Geral da Saúde, que permite o recurso a alguns antivirais no combate ao novo coronavírus, o bastonário da Ordem dos Médicos defendeu que os antivirais, como a hidroxocloroquina, têm tido efeitos positivos na recuperação de doentes com Covid-19 e podem evitar a necessidade de cuidados intensivos nos casos mais graves.

“Aparentemente, a hidroxocloroquina tem efeitos positivos nos doentes infetados. Por um lado, na recuperação, por outro, a impedir o agravamento de casos mais complicados de internamento, que possam necessitar de ventilação assistida, isto é, de ir para cuidados intensivos", afirmou Miguel Guimarães.

Também em entrevista à Renascença, o pneumologista Filipe Froes reconheceu que é difícil avaliar os resultados práticos da aplicação da hidroxicloroquina, "porque não temos, neste momento, a decorrer nenhum estudo comparativo em que possamos avaliar a eficácia da sua aplicação com outro fármaco comparador, ou mesmo sem hidroxicloroquina". "Não estamos a fazer esses ensaios controlados", diz.