Vacinas Covid para as crianças e jovens, a chuva de milhões da bazuca europeia, acusações de cansaço, conselhos de férias, "casos e casinhos" marcaram as cerca de quatro horas de debate do estado da nação de 2021, na Assembleia da República.
O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, foi o "bombo da festa" por causa dos polémicos festejos do título do Sporting e de outros casos. Confrontado pelo CDS, o primeiro-ministro admitiu que desconhecia qualquer autorização para comemorar a conquista do campeonato pelos leões nas ruas de Lisboa.
A esquerda traçou algumas linhas vermelhas para o próximo Orçamento do Estado para 2022 e alguns ministros foram "demitidos" pela oposição.
Com o líder do PSD, Rui Rio, ausente por falecimento de um familiar próximo, a réplica do maior partido da oposição ficou a cargo do líder parlamentar Adão Silva.
Vacinação de maiores de 12 anos e outras prioridades
Na intervenção inicial, o primeiro-ministro, António Costa começou por elencar cinco grandes prioridades e fazer o grande anúncio do debate: vacinar contra a Covid-19 as crianças e jovens a partir dos 12 anos de idade, até 19 de setembro, coincidindo com o início do ano letivo. São cerca de 570 mil alunos.
O chefe do Governo disse que “tudo está preparado para nos fins de semana entre 14 de agosto e 19 de setembro serem administradas as duas doses de vacina às cerca de 570 mil crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos”. Falta a decisão a decisão final da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Numa altura em que as negociações para o Orçamento do Estado para 2022 já estão em marcha, António Costa disse que a primeira das cinco prioridades é completar o processo de vacinação e a segunda passa por reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em terceiro lugar, recuperar as aprendizagens depois de dois anos letivos marcados pela pandemia, seguido da execução de uma “Agenda do Trabalho Digno” e, por fim, “pôr em ação a recuperação” da economia.
Deve ser do cansaço...
Numa altura em que os analistas políticos traçam cenários sobre o melhor "timing" para uma remodelação governamental, o vice-presidente do PSD, Adão Silva, vê cansaço na equipa de António Costa a dois anos das eleições legislativas de 2023.
"Os portugueses têm sido valentes, corajosos, mas o Governo, apesar dos milhões que aqui anunciou apresenta-se como um Governo cansado e desgastado. Um Governo que, pressente-se pelas imensas trapalhadas, não tem mão para reerguer o país", criticou o deputado social-democrata.
Adão Silva incluiu o PSD entre os fundadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e António Costa devolveu a crítica na mesma moeda.
"Porventura será por cansaço que o ouvi dizer a maior trapalhada que me lembro de ter ouvido nos últimos tempos na Assembleia da República, esta ideia bizarra de que o partido que foi o maior inimigo do SNS dizer que é fundador do SNS", atirou o primeiro-ministro.
"Ainda bem que as férias estão a caminho porque merece descanso e precisa de descanso", rematou.
Já a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) criticou a “política de mínimos” do Governo com falta de disponibilidade para um “outro fôlego e outra política”.
Catarina Martins considera que há desgaste num conjunto de ministros sem capacidade para as mudanças necessárias.
“No momento em que debatemos o estado da nação, temos de nos perguntar se o país pode contentar-se com uma política de mínimos que adia as soluções e a resposta aos mais frágeis ou se, pelo contrário, vamos à luta pelo investimento que vence a crise? Pela nossa parte, nunca hesitamos. Salário e saúde, dignidade e respeito, é isso que nos move”, afirmou Catarina Martins.
A líder bloquista apontou o desgaste de três ministros em concreto: “o ministro do Ambiente está marcado pelo descrédito devido à sua transigência com a fraude da EDP no negócio das barragens. Desde o inexplicável silêncio sobre o assassinato de Ihor Homeniuk, o ministro da Administração Interna já só se livra de um caso quando se mete noutro. A ministra da Segurança Social acumula confusões e omissões no apoio aos trabalhadores afetados pela crise”.
Dos "desastres" de Cabrita aos "casos e casinhos”
A polémica em torno dos festejos do título do Sporting, no passado mês de maio, começou por ser trazida ao debate do estado da nação pelo CDS-PP.
Depois de a ida do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, ter sido chumbada, a deputada Cecília Meireles confrontou diretamente o primeiro-ministro: "o senhor ministro assinou este despacho à sua revelia e sem o seu conhecimento ou assinou este despacho com o seu conhecimento?"
Com o ministro Eduardo Cabrita sentado na bancada governamental, António Costa ouviu e respondeu telegraficamente a Cecília Meireles: "não conhecia despacho, não dei instrução sobre o despacho".
Em resposta enviada à Renascença ainda durante o debate, o Ministério da Administração Interna (MAI) esclarece que o gabinete de Eduardo Cabrita "não fez despacho para a PSP", por esse motivo, o primeiro-ministro "não podia conhecê-lo".
"O MAI fez um despacho para o SEAAI [secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna], a lembrar que a Câmara de Lisboa e o Sporting já tinham acordado" o modelo dos festejos do título, não acompanhando as sugestões da PSP.
O PSD, pela voz de Carlos Peixoto, insurgiu-se contra os sucessivos “desastres” na ação do ministro Eduardo Cabrita, sugerindo a urgência de uma remodelação do Governo.
O primeiro-ministro lamentou que os sociais-democratas estejam apenas focados no que diz serem “casos e casinhos”.
O líder parlamentar do PSD considerou também que no Ministério da Administração Interna "sucedem-se os exemplos de descoordenação e de falta de rigor" e criticou a defesa do ministro por parte de Costa.
"Disse o senhor primeiro-ministro neste parlamento que tem um excelente ministro da Administração Interna. Ficamos assim a conhecer o patamar de exigência do chefe de Governo que se revê com entusiasmo e orgulho na atuação deste ministro tão seu amigo", criticou Adão Silva.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, acusou a oposição de ser “monotemática” sobre pedidos de remodelação do Governo.
No encerramento do debate do estado da Nação, o chefe da diplomacia juntou toda a oposição no mesmo saco para criticar os sucessivos pedidos à direita e à esquerda de demissão do MAI.
Bazuca e ricochete
O primeiro-ministro iniciou o debate com uma bazuca de fundos europeus no valor de 40 mil milhões europeus para transformar a economia e a sociedade portuguesa nos próximos anos.
António Costa destacou algumas medidas e objetivos, como 900 milhões de euros para o sucesso escolar e a recuperação de aprendizagens na Educação ou a intenção de "realojar 26 mil famílias até 25 de abril de 2024".
"O grande desafio que temos pela frente consiste em recuperar desta crise pandémica, resolvendo ao mesmo tempo os problemas estruturais que afetam a competitividade da nossa economia e enfrentando as vulnerabilidades da nossa sociedade. Temos de sair desta crise mais fortes, para irmos mais além e mais rápido na convergência com os países mais desenvolvidos da União Europeia", declarou perante os deputados.
Por seu lado, o PSD acusou o Governo de já ter entregue "uma bazuca de dinheiro dos contribuintes" à TAP, Novo Banco e EDP. Adão Silva criticou que, ao mesmo tempo, o executivo alegue que falta dinheiro para apoiar as empresas.
"Só nestes três casos vão para já mais de 12 mil milhões de euros de impostos dos portugueses, só para estes três casos, que o Governo tanto acarinha, vai uma bazuca de dinheiro dos contribuintes", afirmou o líder parlamentar do PSD.
O estado da oposição e pistas para o OE2022
Ao longo das quatro horas de debate, aconteceram declarações sobre estado da oposição e foram traçadas "linhas vermelhas" para a esquerda viabilizar o Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).
Em jeito de aviso para as negociações orçamentais, o BE mostrou-se preocupado com o Serviço Nacional da Saúde, direitos laborais e apoios sociais.
“Fará no PRR os investimentos que já estavam previstos no SNS antes da pandemia: saúde mental, saúde oral e da internalização de meios complementares de diagnóstico. Boa parte desse investimento que já estava previsto vai agora para o PRR, ou seja, em vez de termos mais investimento mudamos o investimento de um sítio para o outro e não se fortalece o SNS como ele precisava”, disse Catarina Martins.
O PCP questionou António Costa sobre o que vai fazer o Governo para travar os "atropelos aos direitos laborais", acusando também o executivo de falta de vontade para resolver o problema das moratórias.
O secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, disse ao primeiro-ministro “não pode ser tolerada a chantagem com os despedimentos coletivos ou outros atropelos aos direitos que está em curso” no país. “Não é aceitável o silêncio do Governo em relação a estes processos de destruição de emprego. O que vai o Governo fazer para travar esta situação”, questionou Jerónimo de Sousa.
Na resposta, António Costa anunciou que o Governo vai apresentar uma proposta de lei para combater a precariedade, visando um regime legal "que assegure e garanta a dignidade de trabalho para todos aqueles que trabalham".
Sobre o fim das moratórias de crédito, o primeiro-ministro disse que é um tema que acompanha "com muita atenção e com muito cuidado" e que, até agora, têm sido ultrapassadas a maioria das situações através de acordos entre os credores e os devedores. Contudo, deixou uma promessa: "Se for necessário, nós tomaremos as medidas que sejam necessárias para que ninguém fique para trás".
O debate do estado da nação também mediu o pulso ao estado da estado da oposição. Catarina Martins abriu a intervenção do Bloco de Esquerda, afirmando logo que "não devíamos perder muito tempo a debater com a direita", que na sua leitura falhou ao país ao longo dos anos em matérias como Saúde ou direitos sociais.
O CDS classificou o “estado da governação” como “um desastre” e aconselhou o PS a não fazer “piadas” sobre a oposição e a olhar mais para o Conselho de Ministros e a sucessão interna.
O líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, acusou o Governo de ter cometido erros durante a pandemia quer “por incapacidade de organização”, quer pela “ânsia” do PS para a propaganda.
“O PS está cheio de si mesmo e obcecado em apoucar a oposição. Em relação às piadas, não recomendaria muitas sobre os ‘dons sebastiões’ que vêm de Bruxelas ou de Massamá”, afirmou, referindo-se a uma intervenção do secretário-geral adjunto do PS nas jornadas parlamentares do partido, em que fez estas alusões implícitas a Paulo Rangel e Passos Coelho como possíveis sucessores de Rui Rio no PSD.
“Em matéria de delfins e sucessões, o vosso futuro também não está brilhante: o de Lisboa meteu-se em sarilhos com Moscovo, o outro não descola, está ‘ground’…”, disse Telmo Correia, em referências implícitas a Fernando Medina e Pedro Nuno Santos.
O líder parlamentar do CDS centrou muitas das críticas no ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e avisou que “se o PS está convencido que tudo pode pelas dificuldades da alternativa, está enganado”. “Em democracia, há sempre alternativa. E um mau Governo - como este - acabará por ser substituído, por vontade do povo”, rematou.