Anúncio do fim dos Vistos Gold gera fuga de investidores
14-04-2023 - 15:26
 • Marina Pimentel

O analista Ricardo Guimarães, diretor da revista Confidencial Imobiliário, revela que a medida já provocou efeitos negativos nos custos da habitação.

Os investidores estrangeiros estão a desistir de Portugal, por causa do anúncio do fim dos chamados vistos gold. Há um problema de quebra de confiança que está a provocar também mal estar nos meios diplomático, diz José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties Portugal, um dos maiores investidores no imobiliário, conhecido como o dono da Comporta. “Isto está a causar um gigantesco mau estar lá fora, nomeadamente nos Estados Unidos, que é hoje um dos mercados mais importantes para Portugal, não só no investimento imobiliário, mas também no turismo."

"Na semana passada, tive conhecimento de um cliente nosso que tinha um acordo feito com uma pessoa de Silicon Valley muito conhecida e que queria fazer investimentos em Portugal. E não só no imobiliário, mas também na indústria, cada um dos investimentos no valor de 250 milhões de euros. E ele desistiu porque Portugal está numa’ deriva quase chavista’ (Hugo Chavez), foi a expressão que ele usou, e que é incompreensível. E, portanto, como não tem confiança neste país, desistiu do investimento. E eu tenho disto às dezenas”, contou.

A proposta de lei do Governo que extingue os chamados vistos gold está em redação final e deve ser entregue em breve no Parlamento. António Costa anunciou a 16 de fevereiro, no âmbito do pacote Mais Habitação, o fim das autorizações especiais de residência para investimento, alegando serem responsáveis pela especulação imobiliária.

O analista Ricardo Guimarães, diretor da revista Confidencial Imobiliário, revela que a medida já provocou efeitos negativos nos custos da habitação. ”O mercado tinha vindo a desacelerar. E agora está num ritmo de aceleração. Os dados de março mostram uma valorização de 2,1 por cento mensais. Ou seja, na prática o que está a acontecer agora é que o mercado está a reagir na perspetiva do agravamento da redução da oferta. E os efeitos que vamos colher são todos ao contrário dos que estariam na base deste programa, embora possa ter sido bem intencionado”, disse.

Ricardo Guimarães defende que os vistos gold são uma falsa questão na crise de habitação em Portugal. O analista lembra que os imóveis adquiridos ao abrigo deste mecanismo de captação de investimento estrangeiro, criado pelo governo de Passos Coelho, representam apenas “0,8 por cento do total das transações realizadas nos últimos 10 anos”.

É indesmentível que faltam casas em Portugal, para compra e para arrendamento. Mas, também, o presidente da Remax Portugal entende que a culpa não é dos estrangeiros que adquirem imobiliário no país, nomeadamente, através dos vistos gold.

Manuel Alvarez lembra que as casas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto continuaram a subir durante todo o ano de 2022 e este ano, apesar de os vistos gold terem, entretanto, sido proibidos para aquisição de imóveis naquelas zonas. ”Não se notou nenhum efeito porque o problema de base é que faltam casas em Portugal. Não houve licenciamentos nem houve construção. E isto é uma indústria com outra qualquer; rege-se pelas leis da oferta e procura. Não há oferta suficiente, os preços sobem”, apontou.

Licenciamento baixou 85 por cento

Manuel Alvarez explica que, nos últimos anos, os licenciamentos sofreram uma queda abrupta. ”No ano 2000 construíram-se 120 mil fogos. Dez anos mais tarde, apenas 8 mil. Se somarmos 10 anos seguidos, desde 1996 até 2005,licenciaram-se um milhão de casas em Portugal, casas novas. Nos últimos 10 anos apenas 150 mil.”

O consultor imobiliário explica que o boom de construção civil em Portugal aconteceu no período dos pequenos empresários, os chamados "patos bravos", e na sequência da aprovação dos planos diretores municipais.

”Todas as câmaras olharam para o seu território e disseram: aqui habitação, ao lado uma igreja, ali um supermercado. E havia muito terreno de habitação disponível por todo o país. Quando há muita oferta, o preço desce. Havia muito terreno, a preço acessível e todos se lembram, foi a época, desculpem-me a expressão, dos chamados patos bravos. Houve imensos pequenos empresários, todos conhecemos algum ,que se atreveram a comprar um terreno para fazer uma moradia ou um pequeno prédio. A construção era uma melhor outra pior ,mas o facto é que estavam a resolver o problema de habitação que havia nesse momento.”

O promotor de investimento José Cardoso Botelho lembra que, além dos processos de licenciamento serem muito difíceis, a construção sofre uma enorme carga fiscal que é desincentivadora da atividade.

“Temos uma taxação brutal. Grosso modo, numa operação normal em Lisboa, sobre o preço de custo de uma habitação, cerca de 40 por cento são impostos. E continuamos a aumentá-los. Ainda agora, no pacote ‘Mais Habitação ‘, fixou-se a taxa de IVA para reabilitação em 23 por cento, quando muitas operações eram taxadas apenas a 6 por cento. No fundo, passamos a vida a aumentar os impostos e depois queremos as casas mais baratas. A combinação entre o licenciamento muito moroso com uma taxação elevadíssima faz com que seja muito difícil construir casas para o poder de compra dos portugueses que ainda por cima tem crescido muito pouco ao longo dos últimos 20 anos.”

O CEO da Vanguard Properties Portugal afirma que os chamados vistos gold só tiveram algum impacto na oferta habitacional na cidade de Lisboa, no Estoril e em Cascais, zonas onde a classe média portuguesa de qualquer forma dificilmente conseguiria chegar.

”Há regiões da grande Lisboa como o Barreiro ou a Amadora, em que nunca foi concedido nenhum golden visa. E mesmo no Porto, até 2020, havia poucos golden visa, eram 56 ou 60. Nas transações que são feitas no Porto, isso não tem peso nenhum. Os golden visa só tiveram algum peso em algumas regiões do Algarve, Lisboa, Cascais e Estoril. E muitas destas zonas de Cascais e Estoril não eram locais onde o português da classe média conseguisse comprar uma casa. Infelizmente.”

O Governo anunciou em novembro do último ano a realização de um estudo sobre o fim dos vistos gold. Mas esse estudo não será tornado público. O promotor de investimentos José Cardoso Botelho lamenta o facto. Mas não se surpreende porque de acordo com as informações que tem, informações não oficiais, os resultados do estudo não apoiam a opção do Governo pelo fim dos vistos dourados.

O governo quer acabar com os chamados vistos gold, autorizando apenas a renovação dos já adquiridos, nos casos em que o imóvel seja para residência permanente do proprietário ou do seu descendente. Ou, em alternativa, se o prédio for colocado de forma duradoura no mercado de arrendamento. Uma solução que pode ser inconstitucional. E virá seguramente aumentar os conflitos em tribunal, defende o advogado fiscalista Samuel Fernandes de Almeida. ”A meu ver neste caso há não só um risco elevado de litigiosidade como também de haver um juízo negativo por parte do Tribunal Constitucional, não só na perspetiva das renovações como mesmo dos processos pendentes.”

Arbitrário e desproporcional

O fiscalista diz que a alteração que António Costa anunciou e que ficará agora nas mãos do parlamento, é uma decisão arbitrária e desproporcional. ”Nós estamos aqui perante uma alteração do quadro legal e das expectativas criadas que não tem propriamente uma justificação. É aquilo que se costuma dizer, uma decisão arbitrária, e que coloca em causa relações jurídicas e expectativas criadas ao abrigo de um regime, de forma absolutamente desproporcional”.

As autorizações de residência para atividade de investimento(ARI), vulgarmente conhecidas como vistos gold, foram criados pela coligação PSD-CDS, sobreviveram ao primeiro governo de António Costa apoiado pelo PCP e pelo BE, mas o executivo de maioria absoluta socialista anunciou a sua morte, alegando que são responsáveis pela especulação imobiliária. A medida faz por isso parte do pacote legislativo Mais Habitação, que procura responder à falta de casas, nas zonas de maior pressão demográfica.

No âmbito dos vistos gold, foram concedidas, entre outubro de 2012 e fevereiro de 2023,de acordo com o SEF, 11 mil 758 autorizações de residência a cidadãos estrangeiros, que representaram um investimento que ultrapassou os 6 mil e 800 milhões de euros ,investimento canalizado em 90 por certo para o setor imobiliário.

O tema esteve em debate no Em Nome da Lei com um promotor de investimentos ,um consultor, um advogado e um analista.

O programa Em Nome da Lei que é emitido aos sábados pela RR, depois do meio-dia e está sempre disponível nas plataformas de podcast.