Quase 20 milhões de brasileiros declararam passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias, segundo um estudo divulgado esta quarta-feira pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
O levantamento "Insegurança alimentar e Covid-19 no Brasil" revelou que "do total de 211,7 milhões de brasileiros, 116,8 milhões conviviam com algum grau de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em quantidade suficiente e mais de 19 milhões de brasileiros enfrentavam a fome".
Os dados foram recolhidos num inquérito nacional que se baseou numa amostra de 2.180 domicílios, representativa da população geral brasileira, considerando as cinco regiões do país.
As entrevistas foram realizadas face a face, no período de 5 a 24 de dezembro de 2020, com moradores de 1.662 domicílios urbanos e 518 domicílios rurais brasileiros.
A recolha de dados mostrou que mais 24,5 milhões de brasileiros não têm certeza de como se alimentarão no dia a dia e já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Já outros 74 milhões vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso.
Isto significa que 55% dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve) em dezembro de 2020.
A sondagem destacou também que a pandemia da Covid-19 afetou negativamente as condições de rendimentos e trabalho da população em todas as regiões do Brasil, o que agravou o quadro de insegurança alimentar.
Entretanto, nas regiões norte e nordeste foram observados as maiores percentagens de perda de emprego, redução dos rendimentos familiares, endividamento e corte nas despesas de bens considerados essenciais.
"Nesses tempos da pandemia do novo coronavírus, o direito humano à alimentação adequada expresso nos domicílios em que há SA [segurança alimentar] estava garantido para os moradores de menos da metade dos domicílios brasileiros (44,8%), enquanto em 9% deles houve experiência de fome expressa pela IA [insegurança alimentar] grave nos três meses que antecederam as entrevistas", destacou a sondagem da Rede Penssan.
Entre os moradores de áreas rurais a ocorrência de fome foi uma realidade em 12% dos domicílios brasileiros.
A sondagem frisou ainda que a crise económica, que já vinha revertendo o sucesso alcançado até 2013 na garantia do direito humano à alimentação adequada no Brasil, ganhou um impulso negativo maior em 2020 com o advento da pandemia, apesar da permanência de alguns programas sociais com o objetivo de mitigar os efeitos da crise sanitária sobre o emprego e os rendimentos.
"Os resultados deste inquérito mostram que, em 2020, a insegurança alimentar e a fome no Brasil retornaram aos patamares próximos aos de 2004", destacou a sondagem.
Isto significou que o maior país da América Latina tinha 10,3 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave em 2018, montante que passou para 19,1 milhões, em 2020.
"Portanto, neste período, foram cerca de nove milhões de brasileiros a mais que passaram a ter, no seu quotidiano, a experiência da fome", concluiu a investigação da Rede Penssan.