A nova proposta de lei para a legalização da Eutanásia, que vai a votos na próxima quinta-feira, dia 4 de novembro, inclui um artigo dedicado só a definições, para tentar ultrapassar a inconstitucionalidade decretada pelo Tribunal Constitucional em março de 2021.
A nova versão, que ainda não foi divulgada publicamente, mas a que a Renascença teve acesso, tem algumas diferenças em relação à primeira, mas o essencial é a introdução de um segundo artigo em que se faz a definição de vários conceitos-chave.
O Tribunal Constitucional considerou inconstitucional o uso do termo “lesão definitiva e de gravidade extrema”, por ser demasiado indefinido. Assim, nesta nova versão os deputados incluem uma definição mais exaustiva.
“Lesão definitiva de gravidade extrema: lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa”.
Consultado pela Renascença, o constitucionalista Paulo Otero diz, contudo, que a nova versão é "em termos jurídicos e em termos constitucionais, mais imperfeito que o anterior".
O texto inclui ainda outras definições, incluindo uma para "sofrimento", que é descrita com sendo "físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave ou incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa".
É de sublinhar o facto de o sofrimento ter de ser "físico, psicológico e espiritual", e não "ou", o que, se for tido à letra, impedirá o doente de pedir a eutanásia por ter apenas sofrimento psicológico, como acontece já em países que legalizaram a eutanásia há mais anos, como a Bélgica ou a Holanda. Outro aspeto importante é o facto de o grau deste sofrimento não ser avaliado por um epecialista externo, mas "pela própria pessoa".
Por fim, no artigo 2.º, fica especificado que o médico orientador, que será responsável pelo processo, deve ser indicado pelo doente e que o médico especialista chamado a pronunciar-se não deve pertencer à mesma equipa que o médico orientador.
Do texto que foi chumbado pelo Tribunal Constitucional para esta nova versão muda-se ainda a definição do ato, que passa de "antecipação da morte medicamente assistida" para apenas "morte medicamente assistida", que segundo os autores pode abranger a eutanásia propriamente dita ou o suicídio medicamente assistido.
Finalmente, no artigo 6.º da nova proposta, correspondente ao 5.º da anterior, nota-se uma omissão. Onde se lia que o médico orientador devia consultar outro médico "especialista na patologia que afeta o doente", essa referência desaparece, pelo que se diz apenas que deve ser consultado "outro médico", cujo parecer deve confirmar se "estão reunidas as condições" para se proceder à eutanásia. Não fica assim claro se o "outro médico", pese embora continue a ser tratado como "especialista" noutras alíneas do artigo 6.º, precisa de ser especialista especificamente "na patologia que afeta o doente".
[Notícia atualizada às 17h04 com comentário de Paulo Otero]
[Notícia atualizada às 17h10, clarificando o último parágrafo]