Candidatos com máscara, poucos comícios, distanciamento, ações canceladas. Foi assim a campanha eleitoral para as eleições presidenciais de dia 24. Na campanha, que termina esta sexta-feira, faltaram beijinhos, arruadas, folhetos e cartazes; sobraram sessões por zoom, comícios no Facebook e publicações noutras redes sociais.
Nesta campanha diferente e, por vezes, triste, os candidatos tentaram compatibilizar as regras sanitárias com a sua necessidade de passar ideias e apelos ao voto. Uns conseguiram melhor que outros.
Marisa Matias
Começou a campanha a definir André Ventura como o seu adversário e acaba-a a lutar com João Ferreira pelo quarto lugar, segundo umas sondagens, ou com Tiago Mayan pelo sexto lugar, segundo outras. Marisa Matias, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, teve dificuldade de justificar a sua candidatura, em mostrar a diferença para Ana Gomes ou para o candidato comunista.
Tentou usar o discurso de André Ventura em seu favor com a campanha do baton vermelho, que lhe parece ter dado alento na segunda semana. Foi, provavelmente, a campanha mais cedo preparada e adaptada para os tempos de pandemia, com encontros simbólicos e comícios digitais, mas faltou-lhe mais campanha de rua, em que mostrou funcionar muito bem há cinco anos.
Marcelo Rebelo de Sousa
Ora não faz campanha, ora faz campanha. Ora Presidente, ora candidato, ora candidato que faz anúncios de que só o Presidente sabe. Marcelo Rebelo de Sousa fez a primeira ação de campanha ao sexto dia do período oficial. Uns dias depois diria que só começou a ter ações de campanha porque começava a ser acusado de desvalorizar as eleições.
No dia em o país discutia o encerramento das escolas, o candidato passou três horas à conversa com aluno no auditório do seu antigo liceu. Ao volante do seu carro, sem comitiva, fazendo de seu próprio assessor de imprensa, abdicou dos tempos de antena, mas fez debates com cada um e com todos.
No campo das ideias, marcou a diferença para Ventura, afirmando ser da direita social contra a direita do medo, e marcou a diferença para Ana Gomes e Marisa Matias dizendo que os populismos e os extremismos se vencem no combate de ideias e não na secretaria, com proibições.
Tiago Mayan Gonçalves
Foi a surpresa da campanha. Uma certa timidez e uma aparente falta de jeito, aliados a uma honestidade muitas vezes desarmante, fizeram de Tiago Mayan uma novidade refrescante. Criticou Marcelo na cara como ninguém costuma fazer ao Presidente, mostrou que ser liberal não é defender o fim do Estado e conseguiu ganhar notoriedade, ele que seria o mais desconhecido dos candidatos. E poderia ter ganho ainda mais numa campanha mais normal, mas respeitou a pandemia e transformou quase todas as ações em encontros em meio digital.
Pode capitalizar os votos de direita dos descontentes com a proximidade de Marcelo ao Governo e que não se reveem em Ventura. E também na posição sobre o Chega se distingue do Presidente e até se aproxima de Ana Gomes e Marisa Matias, ainda que noutros termos: no debate das rádios assumiu que poderia não dar posse a um Governo apoiado pelo partido de André Ventura se esse partido defendesse propostas contrárias à Constituição, como é o caso da pena de prisão perpétua.
André Ventura
O candidato que diz que é contra o sistema, fez a única campanha em moldes tradicionais. Com comícios, com jantares, um dos quais muito polémicos por não respeitar as orientações das autoridades sanitárias, e até caravanas automóveis. André Ventura tentou percorrer o país, mas por quase todo o lado confrontou-se com manifestações de desagrado. Começou logo em Serpa, onde teve o seu primeiro comício e até um esqueleto apareceu no palco e teve o ponto mais crítico em Setúbal, onde a polícia interveio para pôr fim ao arremesso de pedras e outros objetos por parte de manifestantes.
Insultou adversários, prometeu mudar o regime, disse que não será o Presidente de todos os portugueses, mas só dos “portugueses de bem”. Conseguiu ser muitas vezes o tema de debates em que nem sequer participava e o centro da campanha, mas, a confirmarem-se as últimas sondagens, pode bem ter de se demitir da liderança do Chega, como prometeu que faria se ficar atrás de Ana Gomes. Contudo, será só uma demissão para voltar a candidatar-se, como já assumiu.
Vitorino Silva
Foi o primeiro a, muito antes da campanha começar, alertar para a necessidade de alterar a data das eleições e respeito o confinamento durante toda a campanha, optando por só fazer encontros em meio digital. Até neste último dia o respeita: do seu programa faz parte um passeio higiénico.
A metáfora das pedras que levou para o debate com André Ventura marcou a sua campanha muitas vezes feita de frases feitas, lançadas independentemente da pergunta que lhe é feita. Tem várias ideias fixas, entre as quais acabar com a regra que só torna um referendo vinculativo se tiver menos de 50 por cento de abstenção.
João Ferreira
Depois das polémicas sobre o 1º de Maio, a Festa do Avante e o Congresso do PCP, a campanha de João Ferreira mostrou que, afinal, algo muda no PCP. João Ferreira abdicou de arruadas, almoços e jantares e até cancelou iniciativas em nome do combate à pandemia.
João Ferreira fez a que parece ser a campanha mais constante e consistente. Afirmou-se como candidato da Constituição, que chegou mesmo a distribuir a jovens. Considera que a defesa da lei fundamental que o Presidente deve fazer tem de refletir na forma como decide sobre leis relativas à economia e à defesa dos trabalhadores. Foi com ele o primeiro frente-a-frente televisivo com Ventura, num debate em que o líder do Chega o atacou a cada frase. João Ferreira seguiu a estratégia de não valorizar o adversário, ao contrário de Ana Gomes e Marisa Matias, e com isso ganhou espaço e discurso.
Ana Gomes
Uma campanha errática parece fazer com que Ana Gomes termine quase como começou. Suspendeu campanha até à reunião do Infarmed, mas afinal não suspendeu. Disse que, se fosse decidido confinamento, o iria respeitar, mas afinal acabou por fazer campanha todos os dias de forma presencial. Passou as manhãs e início da tarde a visitar escolas, universidades, instituições e os fins de tarde e as noites em sessões digitais temáticas.
Foi sobretudo nessas sessões que foram aparecendo os apoios de socialistas. Manuel Alegre, Duarte Cordeiro, Francisco Assis, entre outros, a terminar esta sexta-feira com a participação de Pedro Nuno Santos, o ministro das Infraestruturas e eventual futuro candidato a líder do PS. Uma eventualidade que Ana Gomes já anunciou apoiar.
Tal como Marisa Matias centrou grande parte do seu discurso no combate a André Ventura e a sua intenção de tentar ilegalizar o Chega marcou alguns dos debates. O seu ataque a Marcelo, invocando a amizade do Presidente com Ricardo Salgado, fê-la perder votos e as suas posições sobre o sistema de justiça também colocam dúvidas a defensores do Estado de direito. Tornou, indiscutivelmente, esta eleição mais interessante e desafiante para Marcelo, mas faltou-lhe uma campanha com o fulgor e vivacidade que se lhe conhece noutras situações.
Quem se inscreveu para o voto antecipado e não o fez poderá votar no próximo domingo.
As eleições presidenciais, que se realizam em plena epidemia de Covid-19 em Portugal, estão marcadas para domingo e esta é a 10.ª vez que os portugueses são chamados a escolher o Presidente da República em democracia, desde 1976.
A campanha eleitoral termina esta sexta-feira.