“O carvão não tem lugar na recuperação pós Covid-19”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres. Esta afirmação é sobretudo a expressão de um desejo, bem compreensível em quem, como A. Guterres, defende um mundo menos poluído. Mas infelizmente será muito difícil cumprir este desejo.
A propósito, é de lembrar que a multiplicação de automóveis movidos a eletricidade só terá efeitos ecológicos significativos se essa eletricidade não for fornecida por centrais térmicas a carvão.
Atualmente, o carvão ainda está envolvido em cerca de 40% da produção mundial de eletricidade, percentagem que pouco tem descido ao longo dos últimos vinte anos. O carvão, ao contrário do petróleo, por exemplo, é uma fonte energética praticamente inesgotável; foi ela que permitiu o arranque da revolução industrial na Grã Bretanha, com as máquinas a vapor, e hoje continua a ser usada em muitos países.
A China compra mais de metade do carvão consumido em todo o mundo, seguindo-se a Índia. Países onde se continuam a inaugurar centrais térmicas a carvão.
Nos EUA, Trump, que não acredita nas alterações climáticas e despreza o combate pelo ambiente, manifestou grande apoio às minas de carvão, que considerou vítimas de uma campanha negativa.
Na Europa, a Polónia e a Alemanha possuem cerca de metade das centrais onde se queima carvão; mas a Alemanha, onde ainda funcionam 84 centrais térmicas, promete eliminá-las até 2038, ao mesmo tempo que está a fechar centrais nucleares, por motivos de segurança. O que implica uma grande aposta germânica nas energias renováveis.
Em Portugal o primeiro-ministro A. Costa disse que está prevista a antecipação do encerramento da central a carvão do Pego para o ano de 2021, enquanto que a central a carvão de Sines deverá fechar em Setembro de 2023.
A UE tem como uma das suas prioridades concretizar o chamado Pacto Ecológico. Mas aí regista-se uma incómoda contradição: como o jornal “Público” destacou há dias, a UE financia com milhares de milhões de euros os principais causadores do aquecimento global, os combustíveis fósseis.
Apesar do Pacto Ecológico, a UE dá 137 mil milhões de euros por ano em isenções fiscais ao petróleo, ao gás natural e ao carvão, bem como ao gasóleo agrícola e aos combustíveis dos aviões. No tempo em que Durão Barroso foi presidente da Comissão falharam as tentativas para alterar a diretiva sobre tributação da energia na UE. É que se torna necessária uma decisão por unanimidade no Conselho para modificar disposições fiscais, unanimidade que, quanto às ajudas ao consumo e à extração de carvão, nunca foi possível alcançar.
É estranho que a Comissão Europeia não se esforce por alertar as opiniões públicas dos Estados membros para esta contradição. Por isso o voto de Guterres de afastar o carvão da produção de energia não se concretizará numa UE que faz gala em ser pioneira na transição energética.