Ninguém sabe o que é, num só ano, ver a riqueza evaporar-se 10%. No entanto, Costa Silva, no estudo estratégico recém entregue, admite uma queda provável, em Portugal, de pelo menos 12,5% esquecendo que o Governo previa menos de metade. Nem na nossa geração vimos, nem na dos nossos pais e avós viram nada assim. O pior dos registos, o pior do pós-guerra, o pior do século, o pior de sempre… dizemos, em sequência, sem pensar muito ou sequer gaguejar, à medida que a coisa se vai tornando pior. Por isso, o INE, vir dizer-nos agora que no segundo trimestre o PIB já caiu mais de 14 % face ao primeiro e 16,5% face ao mesmo período, de 2019, não nos faz estremecer especialmente nem nos enche de medo. Mas devia.
O gráfico do INE, sim. Assusta mesmo. Mas quantos de nós vão espiolhar o gráfico e ler a legenda e comparar os anos? E dentro de cada ano irá esmiuçar os vários trimestres até encontrar o último pontinho da última coluna. Essa que desce tanto que o período da troika nos aparece (no pior trimestre do pior ano de 2013) como tendo registado, algures por ali, uma queda “pequenina” sem impacto de maior. O equivalente a menos de um terço da queda atual.
O número do INE é um número mau. Em Espanha o número foi ainda pior. Diz hoje o Eurostat: se nós, com o confinamento, caímos 16,5%, face ao 2º trimestre de 2019, a Espanha caiu 22,1 %, a França 19%, a Itália 17,3% e em média, na área euro, a queda foi de 15%. É mau. É muito mau. Lembro-me de ter lido, já esta semana, que os números anualizados da perda de riqueza nacional do primeiro trimestre nos Estados Unidos, apontavam para uma redução do produto no total do ano superior a um terço (33% se me não falha a memória!). É muitíssimo.
E pode ainda ser pior? Claro. Nem precisamos da lei de Murphy. É simples constatar que isto anda tudo ligado. Tão ligado que basta a desgraça alheia para acentuar a nossa. Se em Espanha que representa um quarto das nossas exportações os clientes se assustam e passam a comprar espanhol o que vamos nós exportar para lá? Se, na Itália, a coisa corre mal e os nossos clientes fecham as portas que vão importar daqui? Se a França e a Alemanha se deixarem afundar outra vez quem vai comprar os nossos produtos?
Pior ainda: se as nossas famílias, que estão a poupar como nunca, travarem a quatro rodas todo o seu consumo potencial que vai acontecer a todos nós? O consumo interno vale mais de 50 por cento da riqueza nacional. Não havendo turismo (11%), nem exportações (de que o turismo representa quase 50 por cento) de que vamos sobreviver? Os gastos do Estado em salários manter-se-ão, mas no privado, depois do lay off, resta o desemprego e depois deste, para a maioria, as escassas transferências de apoio à pobreza e o banco alimentar.
À crise sanitária seguiu-se a económica e o que nos resta para evitar ainda o colapso social, é o facto de sabermos que, desta vez, não adianta sofrer por antecipação porque nada será igual à crise anterior e entre as desgraças que se repetem também há boas notícias. Pelo menos numa coisa será melhor. Desta vez a Europa não adormeceu em cima do prejuízo nem deu a batalha por perdida.
Há três mulheres ao comando que não vão desistir até controlarem a situação: no BCE, onde os fundos à disposição dos estados membros nunca foram tão grandes e a convicção com que estão a apoiar as várias economias superam as do senhor Draghi, a quem devemos a salvação na crise anterior; na Comissão, onde uma alemã ex-candidata a sucessora da chanceler alemã já conseguiu quebrar o mito da impossibilidade de emissão de dívida conjunta; e ao comando da Europa onde está a presidência alemã que não vai travar as ajudas aos amigos despesistas do Sul, e que aliada ao senhor Macron, conseguiu já recuperar a força do chamado eixo Paris- Bona. Podia ser melhor? Talvez. Não fosse o “irritante holandês” a que se colaram, como lapas, dinamarqueses, austríacos e suecos dispostos a abandonar a guarda só a troco de uns cheques chorudos devidamente “visados” e garantida a sua boa cobrança. Os chamados “contribuintes líquidos”, mesmo que sejam pouco contribuintes são sempre assim. Vide o nosso ex-companheiro e actual “brexista”.
Se os fundos forem canalizados, depressa e bem, as empresas minimamente viáveis poderão ser mantidas, mesmo ligadas à máquina, o emprego garantido com “cuidados intensivos”. A retoma pode vir mais rapidamente se todos os euros forem bem, mas sobretudo, rapidamente gastos em motoros de desenvolvimento de rápida multiplicação (obras públicas, apoios sociais, grandes projetos geradores de emprego). Como na luta contra a Covid, o importante é manter o doente vivo até encontrar vacina eficaz e terapêutica adequada.
Por cá convinha não lançar mais gasolina para a fogueira. Ontem, Faria de Oliveira, presidente da APB, mostrava-se muitíssimo preocupado com o Novo Banco e a gestão de comunicação feita pela atual administração, falando do perigo de “reputação” arrastar todo o sistema bancário para uma crise de confiança no sistema.
Nunca tinha visto a Associação Portuguesa de Bancos mandar recados tão diretos a um dos seus associados, deixando-o praticamente sozinho e recomendando-lhe que rapidamente esclarecesse todo o tipo de dúvidas vindas a lume sobre as operações de vendas de imobiliário.
Hoje tivemos mais uma má noticia neste dossier. A auditoria final não vai ser conhecida ainda este mês, apenas um texto preliminar e parcial será dado a conhecer a uma pequena elite dos clientes porque a própria comissão de acompanhamento não inclui nenhum representante do Governo. Resumindo, ainda não será desta que os portugueses vão recuperar a confiança na gestão bancária do banco “bom”.
Era só o que faltava. Depois da crise sanitária, económica, social, mais uma crise bancária. É preciso ter azar. A nossa esperança de que não venha a acontecer é ter um primeiro ministro sortudo. Costa, no meio do azar que abala todo o mundo, tem tido sorte. Vamos acreditar que voltará a ter.