Chama-se João. Nasceu quase no Natal, no dia 23 de dezembro de 1949, quatro anos depois do fim da II Guerra Mundial, numa região de grande beleza: o Gerês. Ali cresceu, nas Terras de Bouro, mais precisamente em S. João do Campo, onde ainda hoje tem preso o coração.
O cónego João Aguiar Campos, que gosta de ser tratado simplesmente por padre João Aguiar, foi diretor do “Diário do Minho”, professor de Jornalismo, presidente do conselho de gerência do Grupo Renascença Multimédia e diretor do Secretariado das Comunicações Sociais da Igreja. Foram anos de muita atividade - em Braga, no Porto e em Lisboa -, até que, em 2016, assumiu o desafio de abraçar uma vida mais calma por razões de saúde. Nessa altura, o padre João Aguiar regressou a Braga e às suas raízes.
Padre João, depois de vários anos em Lisboa, de que é que gostou mais no seu regresso a Braga?
Custou-me regressar a Braga na circunstância de estar doente e, por isso, com aquele horizonte, disse: “regresso a casa e não sei o que é que vou poder fazer, como é que eu vou poder servir, continuar a minha missão, essencialmente de padre”. O ser gerente, ou administrador ou jornalista foram circunstâncias a que a Igreja me conduziu, mas a minha vocação efetivamente é falar aos homens das coisas de Deus. É o essencial. Portanto, regressei com essa nuvem no horizonte, embora também feliz por estar mais perto dos meus, mais perto das minhas circunstâncias e, já agora, deixe-me ser um pouco egoísta, mais livre de algumas prementes obrigações como era servir e trabalhar numa grande casa, numa grande causa.
Quando o padre João foi para Braga, achei que a lufa-lufa da rádio lhe faria alguma falta, mas acredito que regressou de algum modo ao seu “colo”. Nasceu numa zona maravilhosa, tem certamente recordações de infância, de brincadeiras ao ar livre ...
Sim, sim! É verdade! Aliás esse colo está refletido num livro que eu gostei de escrever, chama-se “Rio abaixo” e o subtítulo é “Tenho uma aldeia dentro de mim”. E, realmente, eu percorri, desci, o rio da minha terra e fui parando nos lugares, nos remoinhos, nos largos, nos ruídos das árvores, na sua inclinação, e fui encontrando aí as memórias, até aquele momento em que o ribeiro da minha terra se junta ao rio Homem, o Homem se junta ao Cávado e o Cávado se vai juntar ao mar; e eu digo que o pequeno ribeiro da minha terra é uma pequeníssima gota azul no Atlântico, mas ele que sabe que está ali porque toda a vocação do rio é chegar ao mar.
Que recordações é que guarda dessa sua aldeia, de quando era gaiato por exemplo?
Guardo as recordações das brincadeiras, naturalmente; guardo as recordações de ser criado e educado na lavoura, daí também inclusive o facto da minha escrita ser bastante telúrica até nas imagens, nas metáforas; guardo a recordação duma família grande, somos seis rapazes.
Eu tive o grande desafio de, até à segunda classe, ter sido educado pelos meus avós maternos, uma vez que os meus irmãos andavam com os meus pais: o meu pai era guarda fiscal e viajava um pouco - um dia era colocado numa fronteira, daí a um ou dois anos noutra. Eu fiquei com os meus avós até que os meus pais perceberam que, às tantas, podiam perder este filho, o João, e levaram-me para Chaves. Eu fiz a terceira e a quarta classe em Chaves, fiz o exame de admissão à Escola Industrial e Comercial de Chaves e foi de lá que fui para o seminário.
Portanto, os cheiros à terra, os hábitos da terra, a minha própria condição de acompanhar um pastor e, depois mais tarde, ser já alguém que podia ir com os rebanhos sozinho, tudo isso foi tão lindo, tão profundo, até tão evangélico – Nosso Senhor, no Evangelho, fala na ovelha perdida, a ovelha que é preciso ir buscar, curar, tratar, nas ovelhas que nos conhecem e quase conversam connosco... Ele sabia realmente muito disto, embora não fosse do Gerês como eu.
Essa ligação à terra e à aldeia, que vem da infância, mantém-se ainda hoje: sei que tem também ao seu cuidado uma horta. Vai tentando cuidar pessoalmente dessa horta?
Eu, a horta, tenho-a aqui colada à casa de Braga. Ainda hoje fui buscar salsa, fui buscar uma mãozinha cheia de feijão verde e alface, portanto já estou a fazer as minhas próprias colheitas. É interessante que a horta funciona para mim como o meu ginásio: dada a necessidade de exercício físico para combater os efeitos secundários do tratamento, a horta, além de preencher o meu gosto pela terra, responde à necessidade de alívio físico e psicológico.
O padre João escreve praticamente todos os dias, já publicou vários livros. O que significa a escrita para si? É um caminho para se encontrar consigo, com Deus, com os outros?
Tudo isso, tudo isso! A leitura ajuda-me imenso a encontrar-me e até outras leituras e visões daquilo que nos vai rodeando; a escrita, digamos, além de me ajudar a vencer a solidão, é o meu contributo, a partilha do que penso, do que sinto, do que proponho... Não é ensinar nada; eu penso que quando nos calamos muito sobre os dons recebidos ou sobre as reflexões feitas não sei se não estaremos a prejudicar alguém, até porque me tem acontecido, uma ou outra vez, encontrar pessoas que me dizem: “Você disse ou escreveu aquilo que me apetecia dizer ou aquilo que me apetecia escrever.” Esse tocar ou abrir, que abre outro coração, hoje é muito, muito importante.
Uma forma de ter notícias suas é estar a par do que vai escrevendo no Facebook. E é no Facebook que partilha muitas das suas reflexões... deu até um livro, não é assim?
Deu! As reflexões mais soltas deram o meu penúltimo livro que se chama “Fragmentos”; as reflexões mais estruturadas deram o último livro, “InTemporal”, que está há pouco tempo nas bancas. O “InTemporal” nasceu da minha meditação diária do Evangelho. Durante um tempo fui fazendo pequenos vídeos e o livro nasceu depois dos textos, transformados, que acompanhavam esses vídeos.
O que eu publicava no Facebook até se chamava “Uma palavra por dia”. O livro saiu com este título, “InTemporal” - parece um pouco doido, mas a palavra de Deus é isto mesmo, de todos os tempos! E graficamente, na capa do livro, o “In” aparece um bocadinho diferente, até na cor, do “Temporal”, porque, além do intemporal ser de todos os tempos o “InTemporal” alude à luz e à fonte de paz que Deus é em todos e para todos os momentos: na tempestade, no desânimo, a palavra de Deus, que é intemporal, está no nosso temporal. É isto o que o título quer dizer.
Onde é que nós podemos encontrar esse livro?
Eu costumo dizer que não vendo nenhum. Pago todas as despesas dos livros e ofereço a uma editora todos os direitos de autor e de distribuição. Neste momento, os dois últimos, o “Fragmentos” e o “Intemporal” foram oferecidos à livraria do “Diário do Minho”, aqui da Arquidiocese de Braga, até como forma de ajudar o projeto cultural que a livraria tem por diante. Antes destes, saiu o “Morri ontem” e, também, o “Descalço também se caminha” que foi da Paulus e os direitos de autor foram para um projeto que esta editora tem em Moçambique. Portanto, chego, pago e retiro-me. De qualquer modo, o “Diário do Minho” deve ter assegurado a distribuição por algumas livrarias.
Falámos da escrita, mas a fotografia também o seduz. Será que vamos ter em breve alguma ligação, num livro, entre a fotografia e a escrita?
Quando eu deixei o Secretariado, os meus amigos da Agência Ecclesia agarraram em textos meus e em algumas fotografias que eu fui colocando e fizeram postais. Aliás, chamaram-lhe mesmo “Post-ais” e ofereceram-me essa coleção. Olhei para aquilo e disse se eu fosse um artista melhor e tivesse mais tempo era capaz de fazer uma coisa destas.
Fotografo e faço pequenos filmes com grande regularidade e, neste momento, tenho um sonho, porque andam a pedir-me um livro de poesia.... eu sou capaz de o ter pronto, no que aos textos diz respeito, até ao Natal. O meu grande sonho é encontrar um olhar infantil como o meu que o ilustrasse. Eu já tenho um nome – uma ilustradora que tem à volta de seis anos; quanto a fotografias, não sei.
Agora, no final desta conversa, também queremos deixar-lhe um desafio, porque também precisamos duma fotografia sua para ilustrar esta entrevista no nosso site: ficamos à espera que nos mande uma fotografia!
Está combinado! Há dias, vinha do hospital e fui espairecer as minhas dúvidas; e ali, a 300 metros, no centro de Braga, olhei para uma fachada e fotografei essa fachada. Provavelmente será essa a fotografia que vos enviarei: é uma fotografia da fachada da Basílica dos Congregados, no centro da cidade de Braga, que foi o meu primeiro lugar dum serviço sacerdotal mais consistente e foi também o último lugar da minha disponibilidade física mais permanente.