O Papa Francisco carregou esta Sexta-feira Santa as “cruzes” de crianças de todo o mundo na tradicional Via Sacra de Roma.
As intenções das 14 estações da Via Sacra foram escritas por crianças e dão conta das suas preocupações, cuja importância Jesus conhece, dizem. “Sabeis que nós, crianças, também temos cruzes, que não são mais leves nem mais pesadas do que as dos grandes, mas são verdadeiras cruzes, que sentimos pesadas mesmo de noite. E só Vós o sabeis, tomando-as a sério. Só Vós.”
As intenções apresentadas pelas crianças variam do mais comum: “Só Vós sabeis como é difícil para mim aprender a não ter medo do escuro e da solidão. Só Vós sabeis como é difícil não conseguir reter, acordando cada manhã todo molhado”; ao mais dramático: “Só Vós sabeis o que significa ser pobre e dever renunciar àquilo que os meus amigos têm. Só Vós sabeis como é difícil libertar-me dum segredo que me magoa tanto, não sabendo a quem o contar com medo de ser traído, acusado ou não acreditado”.
Várias das intenções são adequadas às estações que acompanham, como a primeira, em que Pilatos condena Cristo à morte, depois de ter lavado as mãos do seu sofrimento. “Quando andava na escola primária, Marcos, uma criança da minha classe, foi acusado de ter roubado o lanche do seu companheiro de carteira. Eu sabia que não era verdade, mas calei-me; não era um problema meu! Além disso todos apontavam para ele como sendo o culpado. Porque deveria eu intervir?”
“Sempre que penso naquilo, ainda tenho vergonha, sinto pesar por aquela minha ação. Poderia ter ajudado aquele meu amigo, dizer a verdade e ajudar a fazer justiça; mas, em vez disso, comportei-me como Pilatos e preferi fazer de conta que não era nada. Escolhi o caminho mais cómodo e lavei as minhas mãos do caso. Hoje, estou muito arrependido: quereria ter tido um pouco mais de coragem, seguir o meu coração e ajudar o meu amigo em dificuldade”, lê-se.
“Às vezes só escutamos a voz de quem faz e quer o mal, enquanto a justiça é um caminho íngreme, com obstáculos e dificuldades; mas temos Jesus ao nosso lado, pronto a apoiar-nos e ajudar-nos”, termina essa primeira meditação.
A Via Sacra continuou com intenções sobre crianças vítimas de bullying, isoladas por serem diferentes ou estrangeiras ou que têm dificuldades com os estudos, havendo ainda espaço para recordar as vítimas do crime organizado.
A penúltima meditação teve tudo a ver com a pandemia e expressou a dor de uma criança que perdeu o seu avô. “Da ambulância desceram homens, que pareciam astronautas munidos de toucas, luvas, máscaras e viseiras, e levaram o avô que, já há alguns dias, sentia dificuldade em respirar.”
“Foi a última vez que vi o avô; morreu poucos dias depois no hospital, sofrendo – imagino – também pela solidão. Não pude estar à beira dele fisicamente, dizer-lhe adeus e dar-lhe conforto. Rezei por ele todos os dias; pude assim acompanhá-lo nesta sua última viagem terrena.”
As intenções deste ano foram escritas por crianças e jovens de dois agrupamentos de escuteiros, dois lares para crianças desfavorecidas e ainda uma instituição que acolhe crianças deficientes.
Ao contrário do que é hábito, o Papa Francisco optou por não fazer nenhuma declaração no final da Via Sacra, mas conviveu durante alguns minutos com as crianças que tinham lido as meditações.
A Via Sacra foi transmitida em direto no site da Renascença e em antena, com comentários da vaticanista Aura Miguel, do padre Vitor Gonçalves e de Dina Isabel.