O Papa Francisco criticou, este domingo, em Madagáscar, a "cultura do parentesco", que leva ao "favoritismo, clientelismos e à corrupção".
"Quando o parentesco se torna a chave decisiva e determinante de tudo o que é justo e bom, acaba-se por justificar e até mesmo 'consagrar' alguns comportamentos que levam à cultura dos privilégios e da exclusão: favoritismos, clientelismos e, consequentemente, corrupção. A exigência do Mestre faz-nos elevar o olhar, dizendo: quem não for capaz de ver o outro como um irmão, deixar-se comover pela sua vida e situação, independentemente da sua origem familiar, cultural e social, 'não pode ser meu discípulo'", disse o Papa na homilia da missa a que presidiu, este domingo, em Antananarivo.
Francisco partiu do Evangelho de Lucas para dizer que "não é fácil seguir os passos de Jesus", já que há várias "exigências" nesse caminho, sendo a primeira delas "verificar as nossas relações familiares".
"A vida nova que o Senhor nos propõe parece incómoda e transforma-se numa injustiça escandalosa para quantos creem que é possível limitar ou reduzir o acesso ao Reino dos Céus apenas aos laços de sangue, à pertença a um grupo determinado, a um clã ou a uma cultura particular."
"A segunda exigência", prosseguiu o Papa, "mostra-nos a dificuldade de seguir o Senhor, quando se pretende identificar o Reino dos Céus com os próprios interesses pessoais ou com o fascínio duma ideologia qualquer que acaba por instrumentalizar o nome de Deus ou a religião para justificar atos de violência, a segregação e até o homicídio, o exílio, o terrorismo e a marginalização".
"Quanto à última exigência, como pode ser difícil partilhar a vida nova que o Senhor nos oferece, quando nos sentimos continuamente impelidos a buscar a justificação em nós mesmos, crendo que tudo provenha exclusivamente das nossas forças e daquilo que possuímos! Quando a corrida para acumular riqueza se torna molesta e oprimente - como ouvimos na primeira Leitura -, exacerbando o egoísmo e o uso de meios imorais."
Francisco sublinhou que, com estas exigências, "o Senhor quer preparar os seus discípulos para a festa da irrupção do Reino de Deus, libertando-os deste obstáculo perigoso que é, em última instância, uma das piores escravidões: viver para si mesmo".
Para o Papa, a "tentação" de cada um "se fechar no seu pequeno mundo" não deixa "espaço aos outros: os pobres já não entram, deixa-se de ouvir a voz de Deus, não mais se rejubila com doce alegria do seu amor, perde-se o entusiasmo de fazer o bem. Quando se fecham, muitas pessoas podem aparentemente sentir-se em segurança, mas acabam por se transformar em pessoas ressentidas, lamurientas, sem vida.
"Se olharmos ao nosso redor, quantos homens e mulheres, jovens, crianças sofrem e estão literalmente privados de tudo! Isto não faz parte do plano de Deus. Como é urgente este convite de Jesus a morrer para os nossos confinamentos, os nossos orgulhosos individualismos, a fim de deixar triunfar o espírito de fraternidade."
Francisco está em Madagáscar 30 anos depois da passagem de São João Paulo II pela ilha. Em Madagáscar, um dos países mais pobres do mundo, a maioria da população (75%) vive com menos de dois euros por dia.
Este é o último dia de visita a Madagáscar. Na segunda-feira de manhã, Francisco ruma à Maurícia, o último país da sua 31.ª viagem apostólica.