O relógio marca 14h00 e a estação de Metro da Trindade, no Porto, está cheia. Centenas de pessoas cruzam-se: trocam de linha, entram e saem da estação. Mas, no meio da azáfama, uma música ecoa pelos corredores.
Hallisson Lima toca um piano colocado no piso -1 da estação. Dezenas de espectadores reúnem-se, com um olhar curioso e atento. Sorrisos surgem nos rostos de quem interrompeu o seu trajeto para dar atenção a Hallisson.
O novo piano do Metro do Porto é uma oferta da Critical Software, empresa multinacional de tecnologia, que este ano celebra 25 anos. O instrumento está disponível para uso livre do público: poderá ser um pianista com formação ou um amador que queira apenas experimentar.
João Carreira, CEO da empresa, conta à Renascença que esta foi a forma escolhida para “retribuir à comunidade” nas zonas onde a multinacional tem sede.
“Escolhemos a música porque a criatividade e inovação estão no centro de tudo aquilo que fazemos na Critical Software. Para nós a expressão 'livre de criatividade' é muito importante, e o piano personifica isso. Sentimos que esta seria uma forma de estimular outros a seguirem os seus sonhos e a expressarem a criatividade de forma livre. Ele está aberto a toda a gente, todos os pianistas anónimos, virtuosos, amadores, curiosos, quem seja”, afirma João Carreira.
Hallisson Lima, instrumentista, já toca piano há 20 anos. Para o artista, esta iniciativa é “verdadeiramente incrível” porque junta pessoas e ajuda a combater a “solidão e a tristeza” que muitos sentem.
“É muito mais do que só ouvir música. Através de algo que não se utiliza palavras, só sons, muitas pessoas podem aproximar-se, até de nacionalidades diferentes, e criar um ciclo de amizade.”
"É uma boa ideia"
O pequeno Pedro Rodrigues só tem 11 anos, mas já toca há seis. Foi com a professora de música conhecer o novo piano da Trindade e nem a vergonha o impediu de mostrar os seus dotes a quem ali passava.
“Eu gostei desta ideia. Gosto de tocar assim para as pessoas, apesar de ter um bocadinho de vergonha. É uma boa ideia o piano ser público, assim quem quiser pode vir aqui tocar”, confessa Pedro.
Do lado da plateia, Rosália Ribeiro acompanha atenta e sorridente. Estava “a ir para outro sítio”, mas a curiosidade fê-la parar. À Renascença, Rosália admite que a iniciativa é “espetacular” e que “nunca tinha visto nada assim”.
A preocupação agora é se o piano vai ser estimado pelo público, e a espectadora quer “acreditar que sim”.
“Acho que não há maldade tanta para dar cabo de uma coisa desta natureza”, afirma Rosália Ribeiro.
“O piano é de todos"
Esta iniciativa teve uma primeira experiência na estação de metro de Entrecampos, em Lisboa, com um piano disponível desde novembro do ano passado. O CEO da Critical Software está “verdadeiramente surpreendido” com a adesão que o instrumento tem tido.
“O piano de Entrecampos é absolutamente extraordinário. Passam-se muito poucos instantes em que não está ninguém lá sentado. É impressionante. Antes de inaugurarmos o piano, não tinha noção de que havia tanta gente a tocar piano no país, em Lisboa, naquela estação”, revela João Carreira.
Para o presidente do conselho de administração da Metro do Porto, Tiago Braga, o novo piano “alinha-se com os valores” da empresa, por isso bastou “ouvir o termo comunidade e a decisão ficou tomada”.
“Eu espero que os clientes possam usufruir deste instrumento que tem um duplo significado: é um instrumento musical, mas é um instrumento de coesão social. É um instrumento de criação de comunidade”, refere o responsável à Renascença.
"Por tempo indefinido"
No que toca à logística da utilização do piano, a Metro do Porto quer ser o mais “livre” possível. “Se tiver aqui um segurança parece que, de alguma forma, estamos a limitar esse aspeto da criatividade das pessoas. A estação já tem a segurança e os meios de vigilância suficientes para fazer a gestão deste espaço”, garante Tiago Braga.
No entanto, Tiago Braga destaca que tem de existir civismo no uso do instrumento. “O piano é de todos, não pode ser de uma pessoa em concreto. Tem de ser uma utilização que se perceba que faz parte da tal comunidade. A comunidade envolve que haja partilha.”
O presidente da Metro do Porto quer que a plateia “goste tanto do piano” como ele, e que, se “tal como" ele "forem incompetentes a tocar”, sejam “competentes a usufruir”.
“Espero que parem para ouvir, que batam palmas, que se desafiem, que se exponham. Há pessoas que sabem tocar, mas têm receio de tocar para o público. Aqui, é um público diferente, vai mudando constantemente e vai nesta azáfama de passagem entre linhas diferentes, entre pessoas que vêm de cidades diferentes. Espero que se encontrem aqui, seja cinco minutos, para ouvirem uma música e seguirem a sua viagem.”
O novo piano portuense da estação de Metro da Trindade foi instalado na quarta-feira e vai estar disponível por tempo indefinido. Pode acompanhar a livestream contínua dos pianos da Trindade e Entrecampos pelo YouTube.