Assume que habitação é a sua causa. Helena Roseta estava na faculdade quando as cheias de 1967 mataram centenas de pessoas de bairros clandestinos de Lisboa. Andou no terreno e essa imagem marcou para sempre a sua atuação política.
Hoje, no caminho para os 50 anos do 25 de Abril de 1974, a arquiteta que já por várias vezes foi deputada parlamentar e autarca aponta o problema da habitação como “gravíssimo”. “Quem está a pagar a fatura são aqueles que acabam o seu percurso escolar e não encontram emprego, nem casa, e não conseguem constituir família”, refere Roseta
Em conversa com o podcast Avenida da Liberdade, Helena Roseta afirma que “o problema da habitação continua a ser gravíssimo para uma geração que acaba os estudos e não consegue encontrar trabalho, a não ser precário, e intermitente. E depois não consegue organizar a vida, ser independente e sair de casa dos pais.”
Aos 74 anos, 3 anos depois de se ter reformado de cargos políticos, Helena Roseta é critica da atuação dos fundos imobiliários. Diz que são forças “sem rosto, e que têm um poder financeiro brutal”.
Na opinião da antiga presidente da câmara de Cascais, “o poder local sozinho está muito desarmado”, “para fazer frente a esse poder financeiro”. Roseta aponta que há “pressão sobre os territórios para fazer coisas que não se deveria fazer”
Essa “pressão de investimento também tem grandes aliados, muitas vezes da parte do Governo” acusa a atual coordenadora do programa Bairros Saudáveis que considera que em causa estão os interesses e “as divisas”. “Muitas vezes a parte do ambiente vai-se abaixo”, conclui Helena Roseta.
Largo do Carmo, 25 de Abril de 1974. “Ver mudar uma página da nossa História”
As horas e os minutos do dia 25 de Abril de 1974 são confusos na cabeça de Helena Roseta, mas a emoção vivida naquele dia não esquece. Mal soube que estava em marcha uma revolução saiu à rua, não respeitou os pedidos do MFA para ficar em casa.
Ela que diz que a data é marcada por vários episódios “picarescos”, começa por contar um ao podcast Avenida da Liberdade. “A única pessoa que acho que cumpriu fielmente as instruções do MFA, foi Jorge Sampaio. Tinha-se metido num carro para ir ver a Revolução, e de repente, ouviu a rádio e voltou a pôr o carro em casa e foi para casa!” conta a arquiteta.
Outro dos momentos que não esquece foi quando subiu para o Largo do Carmo. Recorda uma “emoção brutal” e lembra como o largo se encheu e as imagens que ficaram gravadas desse dia. “Cada vez vinham mais pessoas. O Francisco Sousa Tavares pendurado numa árvore com o megafone. Uma alegria enorme, e ao mesmo tempo, não sabíamos, aquilo ainda não tinha acabado e, portanto, uma tensão brutal”.
Diz que não se falava de democracia. “As pessoas estavam numa excitação enorme, davam vivas aos militares, e à Liberdade. Não havia propriamente conversa. Estava tudo ali com a sensação de ver mudar uma página da nossa História”.
Em casa, Helena Roseta tinha deixado as 3 filhas. No tempo em que ainda não havia telemóveis, usou um telefone fixo para ligar para casa a meio da tarde. Do outro lado, a senhora que cuidava das raparigas disse: “As meninas perguntam se podem tirar as botas?”
Helena Roseta lembra que as filhas “usavam aquelas botas ortopédicas de criança” e que respondeu: “Podem! Estamos em democracia, andem descalças!”. A rir, a arquiteta que percorreu a cidade de Lisboa a pé naquele dia explica: “Veja bem como aquilo batia no nosso quotidiano. Num dia, tudo mudou!”, remata.
Sá Carneiro “era uma pessoa com um sentido de urgência permanente”
Helena Roseta que chegou a ser presa pela PIDE por escassas 24 horas, depois do 25 de Abril, aderiu ao PPD muito incentivada pela figura de Francisco Sá Carneiro de quem ainda hoje recorda a urgência de viver.
“Quando se falava com o Francisco Sá Carneiro, tinha-se a sensação de que tinha sempre pouco tempo. Era uma pessoa que nos dava atenção, mas tínhamos a sensação de que tínhamos minutos contados. Tínhamos de dizer as coisas depressa, porque ele tinha muito mais que fazer”, recorda Helena Roseta.
“Marcava reuniões no partido para as 9 da manhã. Nós chegávamos e ele já tinha lido a imprensa estrangeira toda, e nós, ainda estávamos a tomar o café da véspera! Era uma pessoa com um sentido de urgência permanente. É estranho. Acabou por morrer, como morreu. Provavelmente tinha urgência de viver, a gente é que não sabia”.
Deputada da assembleia constituinte que aprovou a lei fundamental e recorda o dia do Cerco em que os parlamentares ficaram 36 horas fechados no parlamento. Diz que é mais um dos episódios “pícaros”.
“Não havia comida, e, a certa altura temos a notícia que na sala do PCP havia comida. Depois fomos em grupo…foi uma provocação mesmo, e até fui eu que a lancei”, conta. “Começamos à porta do gabinete do PCP a cantar ‘Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada’”, “Isto é incrível!” conclui Helena Roseta neste testemunho ao Avenida da Liberdade que pode ouvir em podcast nas plataformas digitais, como a Popcast.