Percebemos que algo está a mudar e não é deste ano ou desta crise; tem vindo a crescer. Há quem lhe chame populismo de direita ou novo fascismo. Para Edith Eger, é a história que se repete.
Húngara judia, experimentou na pele a versão absoluta do fascismo, em Auschwitz. No início do ano, sentiu o ressurgimento do ódio no ataque ao capitólio, nos Estados Unidos.
“É muito triste. Infelizmente, os que odeiam estão entre nós. Foi com muita tristeza que assisti ao 6 de janeiro. Uma pessoa vestia uma t-shirt onde se lia que ‘6 milhões não foi suficiente’”, diz Edith Eger.
“A história tem tendência para se repetir. Lamento muito ver que, infelizmente, esse ódio está aqui”, afirma.
Edith Eger acredita que não somos estes seres humanos. Todos temos a liberdade de escolher, a cada instante, “o amor com que nascemos ou o ódio que aprendemos”.
Diz que todos temos um nazi interior e ainda está a aprender a livrar-se do dela. É um processo, com várias etapas: “passa por fazer o luto, sentir e sarar. Não podemos curar o que não sentimos, por isso há muito choro no processo, porque o que sai do corpo não deixa sarar. É muito importante permitirmo-nos chorar todas as lágrimas que conseguirmos e ir tão longe quanto for preciso, ao fim da linha, sabendo que o luto é para a vida. Não podemos fazê-lo apenas por um dia ou uma semana e arrumar o assunto. Nunca está concluído”, diz.
São lições que retirou de Auschwitz, onde chegou adolescente, em 1944. Agora, tem uma Clínica de Psicologia em La Jolla, na Califórnia, trabalha na Universidade da Califórnia e dá palestras pelo mundo.
“Presas na mente com a chave no bolso”
Reuniu o essencial do que aprendeu num livro que chegou este verão a Portugal: “O que aprendi em Auschwitz – 12 lições para mudar a sua vida” (Ed Desassossego). Aqui, ensina a lidar com a dor, a perda, a ansiedade, o medo, o que nos reduz e minimiza. Ensina a reagir, quando o pior dos outros passa por nós ou ficamos presos nas piores circunstâncias, como aconteceu a muitos nesta pandemia.
“As pessoas parecem estar presas num campo de concentração, na própria mente. É muito importante perceberem que têm a chave, no bolso. Tudo o que precisam de fazer é alcançá-la, alcançarem-se. Vão descobrir que estão a segurar algo que pode realmente dar a liberdade absoluta, que é o perdão”.
Este é o passo mais importante de todos, explica Edith Eger. Depois do confronto com as prisões dentro de nós, os segredos, sentimentos de vitimização, dores não resolvidas, ressentimentos, o medo ou a falta de esperança, é inevitável encarar o perdão.
Este é o único caminho para a verdadeira liberdade. “O perdão liberta-nos realmente do passado e por isso é um presente, que dou a mim mesma. Deixo ir os nazis e o peso que carrego, porque enquanto continuar a odiar continuo prisioneira”, explica.
Se acha o processo longo e já está a pensar cortar caminho, é melhor pensar duas vezes. Edith até se ri da mera sugestão. “Acho que o corpo sabe quando tentamos cortar etapas e pode demorar ainda mais. Será o que for necessário, podem ser seis meses ou dois anos, nesse intervalo... e passa por fazer o luto, sentir e sarar”, reafirma.
Edith Eger lembra que não é possível mudar o passado. Não se esquece dele, mas faz questão de viver aqui a agora. É um processo, “tornamo-nos na pessoa que sobe a montanha, sem nunca parar de tentar. Tenho 93 e vivo no presente! E isso é o que é importante para mim”.