Almeida Santos. ​“Não há condições para mudar o poder político dominante em Angola"
10-11-2015 - 09:47
 • Dina Soares

Mal leu o texto que os movimento de libertação de Angola produziram para servir de base ao Acordo de Alvor, António Almeida Santos percebeu que não iria haver paz na antiga colónia. Quarenta anos depois, o então ministro da Coordenação Interterritorial partilha a memória desse tempo numa entrevista à Renascença.

António Almeida Santos, Ministro da Coordenação Interterritorial nos quatro primeiros governos provisórios, integrava a delegação portuguesa que assinou, com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola, o Acordo de Alvor, mas, assim que viu o documento, soube de imediato que não ia haver paz em Angola.

Quarenta anos depois, Almeida Santos continua convencido de que, se tivesse sido Portugal a estabelecer as regras do acordo de independência, Angola teria deposto as armas muito mais cedo. Hoje em dia, não vê, na sociedade angolana, alternativa real ao MPLA nem condições para acabar com o regime de partido único. Espera apenas que, com um governo de Esquerda, Portugal tenha outra autoridade para dar conselhos a Angola.


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Foi um dos signatários dos Acordos de Alvor, que ditaram a independência de Angola. Quando partiu para esse processo, quais eram as suas expectativas?

Não eram grandes as expectativas. Em relação a todos os acordos de descolonização, tive um papel predominante na preparação da solução, redigindo o próprio acordo ou redigindo o essencial do acordo. Fui sempre o escriba dos acordos de descolonização. No caso de Angola, não pôde ser assim porque os movimentos de libertação puseram-se de acordo - apesar de andarem aos tiros - no sentido de serem eles a apresentarem uma proposta de acordo. Nós ficámos muito felizes, mas a proposta que veio não era muito geradora de expectativas positivas, pelo contrário. Apesar de tudo, mudámos muito a redacção, eu alterei muito o texto e acabei por redigir a versão final, mas percebi que, quando nós fossemos para casa, os tiros recomeçavam, como recomeçaram.

Portanto, a ideia de partilha de poder entre os três movimentos pareceu-lhe, desde logo, condenada ao fracasso...

Eles não se entendiam. Só se entenderam para nos imporem um texto da sua autoria. Nós alteramos o que conseguimos, mas o texto que ficou não nos dava, à partida, garantias de paz. Eu não vim de lá convencido de que ia haver paz e é claro que, pouco depois, estavam aos tiros outra vez. Aquele período a seguir foi doloroso, porque a paz ficou cada vez mais distante, morreu cada vez mais gente, os vários movimentos lutavam uns contra os outros. O MPLA, nessa altura, não tinha uma posição muito sólida, o Savimbi era um indivíduo que não merecia confiança a nenhum dos outros movimentos e a nós também não. Houve uma trégua momentânea, mas, pouco depois, começaram os tiros, cada vez com mais violência. Portanto, o texto que nós aprovámos foi um texto que valeu muito pouco, ou mesmo quase nada.

Na conjuntura internacional que se vivia, em plena guerra fria, seria possível ter sido de outra forma?

Podia ter sido de outra forma, sobretudo, se fossemos nós a organizar um texto como ponto de partida.

Só que, em Angola, já havia grandes interesses em jogo, não é verdade?

Em Angola, havia muitos partidos. De um lado, o partido do Savimbi (UNITA), que dominava um bairro grande. Por outro, o Holden Roberto (líder da FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola), que tinha o melhor exército, o mais poderoso. Nós tínhamos medo que ele pudesse dominar a situação. Eu consegui chegar à fala com ele, tive algumas reuniões com ele para o travar e, felizmente, ele não cometeu nenhum disparate. Mas iam-se matando uns aos outros, até que se chegou a uma situação em que o conflito era, sobretudo, entre o Agostinho Neto (MPLA) e o Holden Roberto. Receava-se que, se houvesse um conflito final, o Agostinho Neto perdesse, porque tinha menos gente e menos forças. Só que o Agostinho Neto conseguiu entrar em contacto com Cuba e os cubanos mandaram-lhe um belíssimo exército que, juntamente com as forças do MPLA, conseguiu vencer o ataque perpetrado pela FNLA. Os cubanos venceram e o Agostinho Neto ficou com o poder em Angola. A partir daí, a própria União Soviética ajudou muito mais do que tinha feito até aí. Foi assim que Angola se tornou independente.

Mas a paz tardou. Dezasseis anos depois, foram assinados os Acordos de Bicesse e a guerra continuou e só em 2002, com a morte de Savimbi, é que a guerra acabou...

A UNITA transformou-se apenas num pequeno exército, não tinha grandes forças para poder impor uma solução, mas criava problemas. Só quando o Savimbi foi morto é que houve uma relativa paz final.

Era preciso que um dos contendores fosse derrotado para vir a paz?

O Savimbi tinha que ser liquidado fisicamente, devido à sua capacidade de resistência e de inteligência. Não era só um guerreiro, era um indivíduo capaz de criar problemas políticos ao MPLA.

“Não é fácil substituir o MPLA”

Acha que Angola é um país que já se reconciliou consigo próprio?

Angola tem um governo que domina a situação política interna. Depois, com muito petróleo e a preços muito elevados, Angola pode brilhar economicamente e tornar-se verdadeiramente independente, também do ponto de vista económico e não apenas politicamente. Agora, debate-se com uma situação contrária porque o preço do petróleo caiu e Angola, que era muito rica, deixou de ser de um momento para o outro e tem grandes dificuldades em equilibrar as suas contas.

A actual crise económica poderá permitir que outras forças ganhem novo fôlego para combater o regime de partido único?

Não creio. Sinceramente, não creio. Acho que o MPLA ainda tem o domínio político da situação e não é fácil substituí-lo.

Como é que vê as relações entre Portugal e Angola?

Neste momento, tem havido entendimento entre o governo português e o governo angolano.

Temos assistido a momentos de grande tensão. Acha que é uma relação assim tão madura e tão amistosa?

Problemas há sempre, mas eu acho que Angola já passou o pior momento. Agora, está a recuperar e não há ainda ninguém que possa competir com as actuais autoridades angolanas para mudar o domínio do poder. Neste momento, não há condições para isso.

Do ponto de vista dos direitos humanos, Angola está longe de ser um país exemplar. Como é que está a acompanhar este caso de Luaty Beirão?

Se ele morrer, isso pode trazer problemas sérios às autoridades angolanas. Mas penso que isso não vai acontecer. Angola não tem, neste momento, um outro poder potencial a surgir.

E relativamente a esta questão, como é que Portugal se deve posicionar?

Portugal só pode dar conselhos, não pode exigir, não manda em Angola. E os conselhos, se forem bons, podem dar boas soluções. Até aqui, Portugal tem tido um governo de Direita, que não tem as melhores condições para dar conselhos a um país africano. Mas estou convencido que um governo de Esquerda terá algumas vantagens acrescidas no auxílio a prestar a Angola.

Era possível ter feito uma descolonização diferente naquela altura?

Era, claro que era. Mas não se esqueça que a descolonização foi feita ao fim de 12 anos de guerra. Eles mataram-nos a nós e nós matámo-los a eles. Isso criou inimizades terríveis.