"Vitória, vitória". Foi o que se ouviu a alguns dos milhares de professores quando o líder do Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP), André Pestana surgiu a correr pela Praça Afonso Albuquerque adentro depois da reunião com os dois consultores da Casa Civil do Presidente da República (PR).
Em boa verdade, da reunião em Belém não saiu propriamente uma vitória para os professores, que até tinham preferência de serem recebidos pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa.
Ao cabo de uma hora de encontro no Palácio de Belém, André Pestana assumia aos jornalistas que os dois consultores do Presidente "não podiam dar garantias" e que "basicamente limitaram-se a escrever notas que vão transmitir ao PR".
Um dos consultores de Marcelo que recebeu a delegação do STOP era Isabel Alçada, a ex-ministra da Educação de José Sócrates, que recebeu um valente apupo quando André Pestana a nomeou perante a multidão de professores.
Pestana quer Marcelo do lado dos professores, "senão fica evidente que perante uma grande injustiça, ele está a tomar partido do agressor, porque a neutralidade perante uma injustiça é tomar partido perante o opressor".
O dirigente do STOP tinha ensaiada esta frase, disse-a vezes sem conta aos milhares que desfilaram desde o Ministério da Educação, na Av. 24 de julho até à Praça Afonso de Albuquerque, em Belém e disse-a também aos jornalistas, salientando que se tratava de um mote celebrizado pelo malogrado arcebispo anglicano Desmond Tutu, um dos heróis da África do Sul contemporânea.
O Presidente da República foi, de resto, um dos protagonistas ausentes desta manifestação, tendo em conta que foi ele o alvo de algumas das palavras de ordem. À medida que o desfile se aproximava de Belém ouviam-se frases como "Presidente está na hora de vir cá fora" ou "Professor, Presidente junte a sua voz à gente". Não aconteceu nem uma coisa, nem outra.
Já a manifestação tinha dispersado e a Presidência da República emitiu uma lacónica nota a confirmar
que os "professores e outros profissionais da escola pública" tinham sido "recebidos em Belém" por "consultores da Casa Civil".
Na nota lê-se ainda que o STOP "apresentou as suas perspetivas sobre a situação profissional dos docentes, técnicos especializados, técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais, tendo entregado informação para ser transmitida ao Presidente da República".
"Nunca perguntaremos de que sindicatos são"
Visivelmente eufórico pela mole de gente que conseguiu reunir num sábado solarengo, mas com um frio de rachar, André Pestana começou a manifestação recebido em glória por centenas de professores que o esperavam junto ao Ministério da Educação.
O dirigente sindical corria daqui para ali de punho cerrado no ar, com a já tradicional t-shirt branca com um sinal STOP desenhado e saltou para dentro de um camião com palco móvel que seguia na cabeça da manifestação e de onde Pestana foi falando ao megafone.
Daí foram gritadas as palavras de ordem que marcaram o desfile: "Para o palco há milhões, para nós só há tostões", numa bicada ao custo do altar palco da Jornada Mundial da Juventude, ou ainda "escola unida jamais será vencida".
Aos milhares de professores era garantido a partir do palco-móvel que no STOP "nunca perguntaremos de que sindicatos são", provocando gritos e buzinadelas na multidão. Aqui tratava-se de uma indireta aos dois sindicatos de educação alegadamente convidados para a manifestação, mas que não se fizeram representar: FENPROF e FNE.
Para Pestana "não é indiferente" a ausência destes sindicatos num desfile desta dimensão, mas o dirigente do STOP também não lhe dá grande importância, despachando que "a unidade que defendemos é a unidade das escolas e não das cúpulas sindicais".
Está ainda em aberto se Pestana vai estar presente na manifestação de 11 de fevereiro convocada pela FENPROF . "Vamos discutir nas comissões de greve e iremos decidir democraticamente", atirou o dirigente sindical.
Questionado quem paga uma manifestação destas, André Pestana respondeu que foram "estas pessoas que pagaram os autocarros para vir cá", queixando-se de não ter "a logística dos outros sindicatos tradicionais".
Bom, mas e quem pagou à empresa "Palco Móvel" que conduziu o camião que ficou na cabeça da manifestação e tratou do som com diversas colunas montadas na Praça Afonso de Albuquerque? A resposta de Pestana aos jornalistas foi um taxativo "obviamente que é o sindicato".
Por volta das sete da tarde André Pestana fazia à multidão de professores um discurso que quis rematar emocionado com a frase: "este é o dia mais feliz da minha vida". Minutos depois desceu do palco-móvel para tirar 'selfies' com professores que o procuravam.
De Santo Tirso à Chamusca - histórias de quem esteve na manifestação
Fátima Martins veio a Lisboa vinda de Santo Tirso, onde é professora numa escola secundária. Sim, assume à Renascença que vem de longe e questionada porquê atira a rir com um "boa pergunta e com família em casa", mas admite que é preciso "fazer número". Foi uma entre milhares a criticar os serviços mínimos decretados pelo Tribunal Arbitral.
Na próxima semana vai "continuar em greve, claro" e desvaloriza estes dias de paragem, as escolas "vão funcionar quase como quando estivemos no plano de contingência para os meninos da educação especial e para os mais carenciados".
Quando a manifestação do STOP subir ao Porto no dia 8 de fevereiro "temos de encher a Av. dos Aliados", pede Fátima. Que pede também ao PR que "olhe pelos professores", porque "se há dinheiro para toda a gente também tem de haver para os professores". Revela que já dá aulas "há muitos anos" e que a par de "outros colegas" não vai chegar ao topo da carreira"
Na zona da Cordoaria, já muito perto de Belém, Paulo Pedra traz um pequeno cartaz com a palavra "basta" escrita. Vem de Espinho, quer "melhorar a vida dos professores" que "desde a governação de Maria de Lurdes Rodrigues, desde 2006, tem sido muito maltratada", lamenta.
Pedro insurge-se contra aos serviços mínimos impostos pelo Tribunal Arbitral. A grave é um direito constitucional e "os serviços mínimos põem em causa o direito à greve", acusa. Para além disso, este professor diz que, desta maneira, "está a transformar-se a escola num depósito de alunos para se tomar conta deles e servir refeições".
Há pouco mais de uma semana o PR apelou a que não houvesse radicalização entre sindicatos e o ministro da Educação. Para Pedro ninguém esté nesta manifestação "de forma radical, nem a exigir privilégios". A questão para este professor é que há "uma escola sem funcionários, com muita burocracia, que não acrescenta nada à escola".
Pedro queixa-se ainda à Renascença que os professores deixaram de ter vida própria, vão para casa trabalhar preencher grelhas e fichas que não acrescentam nada à aprendizagem dos alunos".
Fica ainda o lamento deste espinhense que estão nesta manifestação muitos professores, mas ressalva que seriam "muitos mais se os sindicatos ditos do sistema - a FENPROF e a FNE - estivessem aqui".
Pedro acusa a existência de "uma espécie de competição entre sindicatos", acudando os sindicatos do "sistema" de terem "receio de perder os sócios que tinham e que estão a desvincular-se e a transferir a
sua sindicalização para este sindicato". Foi o STOP que "levantou os professores que estavam adormecidos", resume.
Mais à frente, já perto do Museu Nacional dos Coches, segue Ana Lúcia. Vem da Chamusca e espera que "valha a pena" tirar o sábado para esta manifestação, que "isto está a ficar feio".
Todos os dias Ana Lúcia vem da Chamusca para Lisboa dar aulas. Faz 120 quilómetros para cá e para lá e à pergunta da Renascença se isto compensa responde com um "tem de compensar, que faço isto por amor à profissão".
Tem três filhos, vem para Lisboa de "carro, comboio e metro" e "ao fim do mês não sobra dinheiro nenhum para pensar em nada", assume. Mas na próxima semana vai fazer greve. Não é muito taxativa, mas despacha com um "acho que sim, provavelmente, sim".
Antes de chegar a Belém espera que o PR ouça os professores. "Não nos podem tirar aquilo que é nosso, a greve tem de contar", lamentando que o ministro da Educação não quer ouvir, não cede".