O Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos apresentou esta quinta-feira um relatório do seu Gabinete documentando o assassínio de, pelo menos, 441 civis na Ucrânia, que podem constituir crimes de guerra dos invasores russos.
O total civis mortos pelas tropas russas inclui 341 homens, 72 mulheres e 28 crianças (20 rapazes e oito raparigas), segundo a mesma fonte.
"Há fortes indícios que as execuções sumárias documentadas no relatório podem constituir homicídios deliberados, um crime de guerra", enfatizou Volker Türk ao apresentar o documento numa sessão especial do Conselho de Direitos Humanos sobre a Ucrânia.
O relatório, que apresenta em detalhe uma centena destes assassínios, foi preparado após três visitas de campo e concentra-se em particular nas violações cometidas entre 24 de fevereiro e 6 de abril em 102 cidades nas regiões de Kiev, Chernigiv e Sumi.
"Em alguns casos, soldados russos executaram civis em locais de detenção improvisados, enquanto em outras ocasiões o fizeram nas suas casas, quintais, portas ou postos de controlo de segurança no terreno", disse o Alto-Comissário.
As execuções foram realizadas mesmo em casos "em que a vítima mostrou claramente que não representava uma ameaça, por exemplo, levantando as mãos", acrescentou.
Türk também indicou que o facto de 88% dos mortos serem homens e rapazes parece indicar que foram desproporcionalmente escolhidos como vítimas com base no seu género.
O Alto-Comissário também denunciou outras violações de direitos humanos por parte das forças russas, como ataques de veículos armados e tanques a prédios residenciais, que causaram mais mortes de civis.
Bucha à frente na lista de execuções
O relatório indica que o local onde a ONU documentou mais assassínios de civis no período estudado foi a cidade de Bucha, nos arredores de Kiev, onde foram comprovadas as execuções de 73 pessoas (54 homens, 16 mulheres e três crianças - dois rapazes e uma rapariga) entre 4 e 30 de março.
"Num trecho de 150 metros na rua Yablunska, em Bucha, 14 civis (incluindo uma rapariga) foram mortos e os seus corpos foram deixados lá", disse Türk.
Além dos mais de 400 assassínios verificados pelo gabinete da ONU, o organismo investiga através de entrevistas com testemunhas e sobreviventes as denúncias de outros 198, incluindo 105 em Bucha, e continuará as suas investigações nas regiões de Kharkiv e Kherson, segundo o Alto-Comissário.
Não apenas as execuções serão investigadas, mas também outras violações relatadas, incluindo prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados, tortura, maus-tratos e violência sexual, acrescentou.
O relatório apresentado hoje é paralelo ao elaborado pela própria missão de investigação da ONU para a Ucrânia, composta por três especialistas e que também denunciou indícios de crimes de guerra russos no país vizinho quando apresentou as suas conclusões preliminares em setembro (a ser atualizado em março de 2023).
18 milhões de pessoas com necessidade urgente de ajuda humanitária
Türk lembrou que a invasão russa da Ucrânia deixou 18 milhões de pessoas, quase metade da população nacional, com necessidade urgente de ajuda humanitária, enquanto 7,83 milhões de ucranianos fugiram do país e outros 6,5 milhões estão deslocados internamente.
Dez milhões de ucranianos sofrem cortes de energia enquanto a Rússia ataca com mísseis as suas infraestruturas, incluindo centrais elétricas, e outros milhões não têm acesso ao abastecimento de água ou redes de aquecimento, lembrou.
A esses números, o Alto-Comissário acrescentou que 1,5 milhão de crianças ucranianas subsiste "sob risco de depressão, ansiedade, 'stress' pós-traumático e outras condições mentais", depois de viver uma guerra "marcada por graves violações das leis humanitárias e de direitos humanos internacionais".
Türk expressou o desejo de que as violações dos direitos humanos relatadas sejam devidamente investigadas e que os seus autores sejam responsabilizados por um processo legal justo e independente, "garantindo que todas as denúncias de violações, recentes, mas também iniciadas em 2014, sejam investigadas de forma rápida e transparente", afirmou.
No entanto, Türk expressou dúvidas sobre essa possibilidade, uma vez que as autoridades russas ainda não investigaram nenhum dos abusos relatados, enquanto a Ucrânia "enfrenta problemas de recursos e capacidade para fazê-lo".