Na versão preliminar do relatório final da comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade, a que a agência Lusa teve acesso, é recomendado que “tal como indicado pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), os elementos que pervertem o objetivo legal da manutenção do equilíbrio contratual devem continuar a ser corrigidos”.
“A sobre-remuneração constituída na atribuição dos contratos de aquisição de energia (CAE) à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista para o período remanescente deste regime [em vigor até 2027]”, sugere o relatório preliminar da comissão, cujo relator é o deputado do Bloco de Esquerda Jorge Costa.
No texto é ainda proposto que a Assembleia da República notifique a Direção Geral de Concorrência da Comissão Europeia das conclusões apuradas pela comissão de inquérito para que seja possível uma “eventual reapreciação do regime de auxílio de Estado aprovado em 2004”.
Este relatório conclui ainda que a "opção política" do desenho dos CAE, em 1996, - ano em que o Governo era liderado pelo socialista António Guterres - atribuiu à EDP uma "renda por 20 anos" para a robustecer financeiramente.
Mas o que acabou por pesar na decisão política do modelo dos CMEC, em 2003 e 2004, foi "a importância dos CAE no valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico. Ambas as preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa".
Assim, conclui, a manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso, consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do decreto-lei 240/2004.
Segundo as contas da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), homologadas pelo Governo, a EDP vai receber 154,1 milhões de euros pelos CMEC até 2027, menos 102 milhões de euros do que o valor reclamado pela elétrica.
No documento, existe um capítulo dedicado ao papel que consultores da Boston Consulting Group (BCG) tiveram na liberalização do mercado elétrico em Portugal, em que o deputado bloquista realça que uma equipa de quadros altamente qualificados, e com experiência partilhada na consultora, que apoiava em permanência a EDP, migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da elaboração do novo quadro legal do setor elétrico: na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias, no aconselhamento de responsáveis de governo, os assessores Ricardo Ferreira e João Conceição (hoje na EDP e na REN, respetivamente), na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG, Miguel Barreto, e, no Conselho de Administração da EDP, Pedro Rezende.
Nas conclusões, lê-se ainda que durante os trabalhados da comissão foram apurados factos sobre a atuação do ex-ministro da Economia Manuel Pinho e do seu antigo assessor João Conceição, "arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da Operação Ciclone”.
Estes dados reforçam, segundo o relatório, os indícios que levaram à abertura do processo "Operação Ciclone". A comissão de inquérito enviou as informações à Procuradoria Geral da República.
Relatório propõe reverter diploma de Passos sobre tarifas protegidas
O deputado relator propõe ainda que as contribuições voluntárias pagas até hoje aos produtores eólicos sejam devolvidas, acrescidas dos juros respetivos, estando a medida quantificada em cerca de 30 milhões de euros anuais até 2020.
Em causa está o decreto-lei 35/2013, uma medida do Governo de Passos Coelho, que foi um dos temas mais debatidos na comissão de inquérito, tendo sido classificado pelo antigo secretário de Estado da Energia Henrique Gomes como "um negócio da China".
Para o relator, "em 2013, o governo vendeu aos produtores eólicos por 200 milhões de euros um sistema de preço garantido para o período posterior à vigência das tarifas 'feed-in' atualmente em pagamento. [...] A comparação entre o regime de 2005 e o de 2013 demonstra a grande probabilidade de futuras perdas para o sistema elétrico nacional, que atingem centenas de milhões de euros em diversos cenários plausíveis".