Tem 34 anos. É solteira, com dois filhos a cargo. Sandra Silva faz limpezas a tempo parcial, na EB 2 3 de Paranhos, no Porto. Mora no Bairro de Contumil, freguesia de Campanhã. A casa é da Câmara e a renda é baixa. Mas o que recebe todos os meses fica longe do salário mínimo nacional.
“Por este trabalho na escola ganho cerca de 147 euros. E tenho a pensão de alimentos dos meus filhos. O pai não dá, dá-me o tribunal. Um pouco acima dos 200 euros pelo dois. Tenho ainda um abono de 130 euros”, detalha.
Com dois adolescentes em casa, é difícil gerir o orçamento familiar. Os filhos, um rapaz de 16 e uma rapariga de 13, ambos na escola, têm expectativas. Quando vai às compras a estratégia é comprar o mais barato. Sandra refere que as prioridades, “quando há dinheiro, é fazer as compras para dentro de casa e pagar as contas”.
Por diversas vezes conta com a ajuda da mãe, quer na alimentação quer no pagamento de alguma fatura que vá para lá do apertado orçamento mensal.
Contudo, as limitações não se ficam pelo supermercado. Estendem-se ao vestuário. Não consegue comprar roupa para os dois ao mesmo tempo. “Tem de ser um mês um, um mês outro. Ele também recebe uma bolsa da escola, entre 80 e 90 euros, mas é dinheiro dele. É dinheiro para ele ir comprando as suas coisinhas. No entanto, se eu precisar ele é o primeiro a chegar à minha beira para me dar o dinheiro. Mas isso eu não quero, é mesmo só para ele. E dá à irmã, se tiver de comprar uma roupa para a irmã compra. É apertadinho, mas vamos sempre para a frente. Há meses piores e outros melhores”.
Apesar da vontade de fazer o melhor pelos filhos e de garantir que a condição económica não tem afetado a aprendizagem, Sandra não conseguiu comprar um computador para a filha ter aulas em casa durante a pandemia. Recorreu ao smartphone.
O filho mais velho teve direito a um portátil emprestado pela escola. “Correu tudo mais ou menos. Não tinha condições para comprar um computador para a minha filha”, admite.
Era inevitável ter de instalar a Internet, mas “só o pacote mais barato”. Mais um esforço de Sandra, que, apesar das dificuldades, vê na escola a forma de quebrar um ciclo de pobreza e de falta de oportunidades.
Não esconde a felicidade por ter dois filhos que se dedicam ao estudo e garante que faz todos os sacrifícios por eles. Quer a todo o custo dar-lhes um percurso diferente.
“Esforço-me ao máximo” para que eles não se desviem do seu percurso escolar. “Nunca liguei muito à escola e agora arrependo-me. Só tenho o 6.º ano e isso é péssimo. Só traz desvantagem em relação a emprego. Não me aceitam em qualquer sítio, porque preciso do 10.º ou do 12.º ano. É complicado e não quero que os meus filhos sejam o que eu fui”, desabafa.
Pobreza familiar é comum na zona oriental do Porto
O delicado enquadramento social em que Sandra Silva está inserida é muito evidente na zona oriental da cidade, com bairros sociais, essencialmente, encerrados sobre si mesmos. As restrições da pandemia vieram tornar o problema mais visível. As dificuldades das famílias agravaram-se com a presença das crianças em casa, com o natural aumento dos consumos. Muitas famílias foram afetadas, com consequências diretas na vida dos filhos. No entanto, em Campanhã e no Bonfim a pobreza era pré-existente.
É algo difícil de contornar, refere Catarina Ribeiro. “Existe neste território uma pobreza que atravessa gerações. Ciclos de pobreza que são muito difíceis de combater. Todas estas variáveis do contexto, um contexto muito fechado, com miúdos que vivem em bairros e não saem de lá, nem para ir à escola”, afirma.
Profunda conhecedora da realidade em Campanhã e no Bonfim a responsável técnica da Associação Fios e Desafios sublinha que a escola é principal porta de acesso a um futuro de conhecimento e oportunidades. Existem vários projetos e programas ao nível do ensino que têm percorrido esse caminho, num claro abrir de portas, “no sentido de proporcionar a estas crianças um acesso igual, de garantir-lhes oportunidades, outros recursos, que naturalmente, devido à sua condição não têm, nem são despertas para elas,” reconhece.
Importa combater esta realidade para tentar travar um ciclo de pobreza infantil na cidade no país e no quadro europeu. Por esse motivo, Catarina Ribeiro espera que, “na Cimeira Social haja disponibilidade e tempo para os decisores políticos refletirem verdadeiramente sobre isto, sobre quais as reais necessidades das pessoas e de que forma se pode investir nelas.
Na área social tudo são gastos, nunca se vê a intervenção social como um investimento a longo prazo. A intervenção social só vai dar frutos de for consertada e numa lógica de investimento. Gostava que este tipo de fóruns fosse propício a este tipo de reflexões”, refere.