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A reposição das 35 horas de trabalho semanais na Função Pública voltou a alimentar a discussão em torno do número de horas que devemos trabalhar. Há alguma razão para estarmos a discutir as 35 ou as 40 horas? Na opinião de António Monteiro Fernandes, professor catedrático do ISCTE e ex-secretário de Estado do Trabalho de António Guterres, não há elementos objectivos. “As 35 horas eram o mais corrente na Função Pública, era a tradição. Nada mais do que isto”, defende o especialista em direito do trabalho.
É uma abstracção como a que deu origem à meta de 3% do PIB em termos de défice? “Sim, sim, exactamente. Não há nenhuma correlação com nada de objectivo. É um número para o qual se apontou como uma disciplina para aplicar universalmente”, garante Monteiro Fernandes.
A passagem das 35 horas para as 40 horas na Função Pública, cuja reposição se discute esta quarta-feira na especialidade, na Assembleia da República, redundou, na opinião do ex-secretário de Estado, num aumento das horas de trabalho sem aumento de salário.
“Tudo isto dentro de uma lógica redutora de que aumentando X% o horário de trabalho reduz-se em X% os custos dos serviços”, resume o especialista, que compara esta lógica a outras “contas de Excel” em que não são ponderadas todas as variáveis.
Mais família ou mais trabalho?
João Proença, ex-líder da UGT e assessor da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, defende que não há um horário de trabalho ideal: há vários. Depende da profissão, dependeu da época histórica. No privado, apesar de o limite máximo ser de 40 horas, há muitas actividades que pela negociação colectiva trabalham 35 horas, lembra.
No lado empresarial, o presidente da Confederação de Serviços de Portugal, João Vieira Lopes, reconhece que a evolução da redução do horário de trabalho vai no sentido de permitir o equilíbrio entre a vida pessoal e familiar e o trabalho e o descanso.
Mas João Vieira Lopes crê que com o nível de produtividade actual seria perigoso baixar o horário das 40 horas. No entanto, abre excepções. “Há sectores em que isso é possível e por isso nós sempre defendemos que poderia ser feito em termos de negociação colectiva. Não nos parece mal que alguns sectores optem pelas 35 horas, mas fazer isso generalizadamente parece-nos perigoso”, sublinha.
A Igreja Católica, através do presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Conferência Episcopal Portuguesa, Pedro Vaz Patto, olha para a dimensão social desta questão. Defende que tem de haver uma conciliação recíproca entre trabalho e família, “mas a primazia deve ser dada à vida de família”.
“Em vez de adaptar a vida de família e a relação pais-filhos aos ritmos da empresa ou às necessidades do trabalho, devia ser o contrário: adaptar o funcionamento da empresa às necessidades da família, até porque isso é bom para a própria empresa”, garante.
O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, defende que lutar pelas 35 horas não é querer um novo direito, mas apenas a reconquista de algo que foi perdido por uma “política obstinada” e “ideológica” da troika e do governo PSD/CDS.
Contra os que dizem que a economia portuguesa não aguentaria o impacto das 35 horas nos sectores público e privado, Arménio Carlos responde em contra-ataque: “Os impactos económicos poderão é ser positivos” porque aumentaria a motivação dos trabalhadores.
É melhor, é pior. Mas porquê?
O anterior governo e a troika aplicaram há cerca de três anos o aumento do horário de trabalho na Função Pública das 35 horas para as 40 horas. Na altura, não foi feito nenhum estudo sobre o impacto da medida. Não são conhecidas monotorizações do impacto que teve. Agora, também não foi apresentado nenhum trabalho que sedimente a ideia de que repor o horário de trabalho em menos cinco horas por semana não tem consequências que desaconselhem a medida.
Estamos perante uma discussão em que não temos dados concretos e discutimos mais a ideologia de cada um dos lados? “É exactamente isso. Há elementos simbólicos ligados a esta questão. Ela vai evoluindo ao sabor de questões políticas e não da análise de dados objectivos. É essa a minha percepção”, responde Monteiro Fernandes.
Vieira Lopes, Arménio Carlos e João Proença também desconhecem qualquer estudo sobre esta matéria. O patrão dos patrões do sector do comércio diz que há uma somente uma recolha de dados do Ministério do Trabalho que revela que apenas 30% dos trabalhadores laboram 40 horas por semana.
O secretário-geral da Intersindical afirma que, apesar de não haver nenhuma pesquisa de fundo, os factos e os números que conhece apontam para que o aumento para as 40 horas não veio beneficiar os serviços públicos e as populações. “Nalguns casos até desorganizou e os trabalhadores passaram a trabalhar mais e a ganhar menos”, argumentou.
E as empresas? “Iria rebentá-las”
Muitos empresários temem que a reposição das 35 horas na Função Pública seja apenas o primeiro passo para uma outra luta: alargar a ideia ao sector privado.
Para o presidente da Confederação de Serviços de Portugal, a pretensão é velha. “Os sindicatos sempre defenderam que se se trabalhasse menos horas criar-se-ia mais emprego. Foi feito em França e isso não aconteceu. Na conjuntura actual, com as dificuldades das empresas esses experiencialismos não me parecem brilhantes”, defende.
Mas Vieira Lopes crê que alargar a questão aos privados não é um tema urgente para os trabalhadores. “Acho que os sindicatos também não o consideram e que o usam para negociar outras coisas”, avança.
O dirigente garante que, se avançassem, as 35 horas “rebentavam com uma data de empresas”. “Era catastrófico”, acrescenta. “ A própria CGTP fala disto como sendo para aplicar de forma faseada porque eles próprios percebem o irrealismo que era fazer uma coisa destas de rompante”, sublinha.
Arménio Carlos discorda. Garante que vai lutar pela aplicação da mesma medida no sector privado. A diferenciação entre um sector e o outro é que na Função Pública é apenas uma reposição, não motiva alterações, enquanto no privado a redução horária terá de ser feita de forma faseada.
“Nos privados deve haver um acordo feito através da negociação colectiva em que essa redução pode ser de uma só vez para ou de forma faseada”, justifica.
O ex-dirigente sindical João Proença não concorda. Para o anterior líder da UGT, mais do que horário do trabalho, actualmente, “os trabalhadores lutam por uma situação em que os novos salários são muito próximos do salário mínimo”. “Vivemos num país em que os trabalhadores se mantêm pobres apesar de terem um trabalho”, sublinha.
Proença defende ainda que há vários mitos sobre esta matéria. O maior de todos: “Quanto mais horas se trabalha mais, mais a produtividade aumenta”. O assessor da AICEP diz que em alguns casos até baixa. E dá um exemplo: “A Alemanha tem um horário de trabalho muito mais baixo do que o português. Os países que têm horários mais reduzidos produzem mais.”