No dia em que conhece a sentença em Angola, o activista Luaty Beirão declara-se inocente em entrevista à Renascença, mas acredita que será condenado. Luaty e outros 16 activistas angolanos são acusados de actos preparatórios de uma rebelião.
O Ministério Público angolano deixou cair a acusação de que estariam a preparar um atentado contra o Presidente, mas classifica-os como um "conjunto de malfeitores", o que pode valer a Luaty Beirão uma pena de 12 anos na cadeia.
O activista, que já fez greve de fome e está agora em prisão domiciliária, acredita que a sentença será política. “Estamos perante um julgamento político, na nossa opinião e assim sendo, a sentença será política também. Eu e o Domingos podemos estar confrontados com uma martelada que vai ditar 12 anos”, refere à Renascença.
Sem conhecer ainda a sentença, Luaty diz-se “mentalizado” para a condenação. “É ainda imprevisível, mas contamos todos com a condenação, estamos todos mentalizados e mentalizámos as nossas famílias, apesar de esperarmos que não seja assim, claro.”
Sobre se desmente as acusações de que é alvo, nomeadamente a de tentativa de rebelião, Luaty Beirão tem uma resposta clara: “Nego completamente”. “Sou uma pessoa pacífica, não apoio qualquer tipo de violação à Constituição e sobretudo não apoio nenhum tipo de violência, e sou contra qualquer tipo de golpe de estado”, sublinha.
Nesta entrevista, diz que os angolanos começam a perder o medo e acredita que nada irá travar os ventos da mudança no país. “Quem vive cá, sente. É papável, as pessoas já falam abertamente, já não querem saber quem está ao lado, se é informante, se é agente de segurança, as pessoas já não querem saber. Já começam a falar, mas ainda não chegaram ao ponto de reagir”, observa.
“Sinceramente, eu esperava um pouco de bom senso por parte de quem está lá em cima para tirar essa temperatura ao descontentamento social, porque depois pode transbordar de uma maneira desagradável para toda a gente. Mas há coisas a mudar”, aponta.
Um exemplo destes sinais de mudança é a nota pastoral divulgada pela Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) no início do mês, em que os bispos condenaram a má gestão do erário público e a corrupção generalizada no país. "É praticamente inédito. Foram mesmo termos duros - os termos que tinham de ser, porque é o que é - mas é inédito a Igreja pronunciar-se dessa forma”, sublinha.
“Estou confiante de que daqui para a frente não há volta a dar. Não há retrocesso”, conclui o activista.
A sentença de Luaty Beirão, juntamente com 16 outros activistas angolanos, está marcada para esta segunda-feira. Para as 18h00, em Lisboa, foi convocada uma concentração no Rossio em defesa da liberdade para os activistas presos em Angola.
O julgamento foi marcado por vários episódios, como a decisão do juiz da causa, Januário Domingos, de mandar ler na integra, durante dois dias de audiência, as quase 200 páginas o livro do réu Domingos da Cruz, mas também vários protestos na rua junto ao tribunal, uns a favor dos activistas outros defendendo "Justiça sem pressão".
Foram ainda polémicas as notificações pelo Jornal de Angola para ouvir em audiência dezenas personalidades nacionais nomeadas nas redes sociais para integrar um governo de salvação nacional - que segundo o MP assumiria funções após a destituição do poder eleito -, ou aos protestos dos activistas em tribunal, descalços e sempre com frases de contestação ao regime angolano e aos atrasos no processo escritas nas roupas, tendo mesmo sido expulsos da sala pelo juiz numa das sessões.
O julgamento sofreu ainda sucessivos adiamentos, devido às faltas dos declarantes, e decorreu sem a presença em tribunal de observadores das representações diplomáticas acreditadas em Luanda e com a Amnistia Internacional a não considerar o julgamento como justo.