A reportagem da Renascença “Habitação: Quando o bullying mora ao lado” serviu de mote para um debate entre Rita Silva, do Coletivo Habita – Associação pelos Direitos à Habitação e à Cidade, e Carla Madeira, presidente da junta de freguesia da Misericórdia, em Lisboa.
Rita Silva começa por dizer que são “muitas as pessoas”, sobretudo idosas, que procuram auxílio junto do coletivo, porque estão a ser “empurradas” para fora das casas pelos senhorios "loucos" com os possíveis lucros de um novo contrato.
São formas de “pressão e de violência que acabam por pôr as pessoas numa situação muito delicada relativamente à habitação”.
“São pessoas que ainda estão de alguma forma protegidas por aquilo que restou de proteção da lei, que é pouca, e essas pessoas estão a receber a fúria de alguns proprietários que têm expetativas de ganho muito elevadas e que querem pôr os inquilinos fora, custe o que custar”, denuncia na antena da Renascença.
Rita Silva conta o caso de uma senhora, de 79 anos, que vivia há 45 anos na mesma casa, pagava a renda todos os meses. O senhorio apresentou uma queixa por ocupação e fechou a porta do prédio, deixando a idosa a viver nas ruas, sem-abrigo.
“A senhora não sabe ler nem escrever e vive na zona do centro histórico, junto à Graça. O que é que aconteceu: o proprietário, que é uma empresa imobiliária, moveu um processo contra ela denunciando-a como ocupante no tribunal. O prédio está todo em obras, não vive lá ninguém. Ela vivia sob obras constantes e ele destruiu a caixa do correio e a campainha. Ela tem muitas queixas crime contra o proprietário e vivia já com medo de abrir a porta. Ela nunca foi convocada pelo tribunal sobre um processo que tinha a decorrer contra ela como sendo uma mera ocupante.”
“Esta senhora está na rua, neste momento. O proprietário fechou-lhe a porta. Ela é sem-abrigo, neste momento. É uma senhora de 79 anos que nunca pensou que algumas vez ia parar à rua. Ela foi à rua e o senhorio fechou-lhe a porta. A Associação Habita está a denunciar empresas e proprietários, há uma queixa-crime a correr contra este senhor, mas ela está na rua neste momento”, conta Rita Silva.
A presidente da junta de freguesia da Misericórdia, no coração de Lisboa, considera que a anterior Lei do Arrendamento, conhecida como “Lei Cristas” (que entretanto foi alterada), “trazia mecanismos novos que facilitavam o despejo das pessoas”.
“Inquilinos com contrato vitalício, a lei tinha uma cláusula que previa a mudança para o novo contrato. Muitas pessoas não sabiam ler nem escrever, muitas não percebem o que aquilo quer dizer, meteram a carta numa gaveta e, passado um ano, receberam uma carta do senhorio a dizer que tem ‘X’ tempo para deixar a casa”, explica Carla Madeira.
A mudança da lei, associada ao crescimento do turismo, tornou aquelas zonas do centro histórico “mais apetecíveis e incentivou o despejo, nomeadamente das pessoas idosas”. A nova lei, de 2019, protege as pessoas idosas, com mais de 65 anos (com contratos superiores a 20 anos) ou 60% de incapacidade, sublinha.
Rita Silva, do Coletivo Habita – Associação pelos Direitos à Habitação e à Cidade, defende que é preciso fazer mais para proteger os inquilinos e defende “uma mudança mais abrangente da lei”, para travar a “onda especulativa que galga pelas nossas cidades de uma forma tão forte”.
“A intervenção tem que ser mais complexa e mais profunda. Do nosso ponto de vista, é preciso acabar com alguns dos grandes incentivos à especulação que estão a provocar esta onda de preços fenomenal, que faz com que os proprietários fiquem loucos: vistos Gold, isenções dos fundos de investimento, residentes não-habituais, diminuir apartamentos turísticos".
Carla Madeira destaca o facto de a Câmara de Lisboa estar a colocar limites ao alojamento local. A decisão foi tardia, reconhece, mas deu muito trabalho a conquistar. Foi preciso existir uma maioria parlamentar para as câmaras poderem atuar, sublinha.
O Coletivo Habita defende que, além de limitar, é preciso “diminuir” os apartamentos turísticos no centro histórico, porque “é demasiado aquilo que existe”.
Rita Silva fala de um “efeito perverso da nova lei”: o alojamento local está a alastrar a outras zonas da cidade e faz aumentar o preço das casas. Por isso, reforço, temos que “acabar com coincentivos à especulação imobiliária”.