Guitarrista de Amália, Carlos Gonçalves, morre aos 81 anos
24-03-2020 - 17:56
 • Maria João Costa

Carlos Gonçalves acompanhou Amália Rodrigues durante cerca de 30 anos. Compôs várias melodias para poemas escritos pela fadista.

“O acompanhamento é uma intuição” é assim que Carlos Gonçalves definia a sua arte, ele que durante cerca de 30 anos acompanhou à guitarra a fadista Amália Rodrigues. Morreu esta segunda-feira, em Lisboa, aos 81 anos.

Natural de Beja, foi influenciado para a música pelo seu pai que tocava bandolim. A sua paixão foi sempre a guitarra portuguesa e, segundo informação disponível na página do Museu do Fado, Carlos Gonçalves, em criança deslocava-se a uma taberna próxima de casa para ouvir na Emissora Nacional programas com dois dos que se tornaram seus mestres – José Nunes e Raul Nery.

Dotado de bom ouvido, Carlos Gonçalves foi-se tornando um autodidata e ao vir viver para Lisboa com a família entrou no mundo das casas de fado. Aos 20 anos, compra a sua primeira guitarra, porque até então era em guitarras emprestadas que tocava. Ao ser convidado para atuar nas principais casas de fado, este guitarra portuguesa chega a acompanhar nomes destacados do fado como Lucília do Carmo, mãe de Carlos do Carmo ou Maria Teresa de Noronha, Argentina Santos, Beatriz da Conceição, Fernando Maurício, Alfredo Marceneiro entre outros.

A colaboração com Amália Rodrigues iniciou-se em 1969, ainda com José Fontes Rocha (1926-2011), como primeira guitarra. Só em 1980 é que Carlos Gonçalves assumiu o lugar de principal guitarra, tendo acompanhado a fadista em todas as suas digressões.

Um dos mais destacados da sua geração

Reconhecido como “um dos mais destacados intérpretes de fado da sua geração”, Carlos Gonçalves era também compositor. Entre os arranjos musicais que fez para Amália Rodrigues destacam-se “Lágrima” e "Grito", dois fados fundamentais do reportório da fadista

Diz o Museu do Fado que Carlos Gonçalves confidenciava: “Eu tinha saído da casa de fados do João Braga, pelas 3 horas da manhã e no caminho fui-me lembrando da melodia, cheguei a casa e passei à Amália pelo telefone. Ela, fora de série, fez um rascunho e daí a uns dias já tinha a letra feita”

São também da sua lavra outros fados de Amália como “Ai As Gentes, Ai A Vida, Ai, Minha Doce Loucura”, “Alma Minha”, “Amor De Mel, Amor De Fel”, “Entrega”, “Flor Do Verde Pinho”, “O Fado Chora-se Bem”, “Obsessão”, “Se Deixas De Ser Quem És”, entre outros.

Na década de 90, Carlos Gonçalves acompanhou Amália na celebração dos seus 50 anos de carreira com concertos um pouco por todo o mundo. Do Japão, a Israel, passando claro está por Portugal e por França onde a voz de Amália era muito apreciada. Foi também nessa altura que o guitarrista se dedicou ao ensino, na escola do Museu do Fado, tendo orientado músicos como Paulo Silva, Bernardo Couto e Bruno de Jesus.

Exigente

Era conhecido pela sua exigência. “Gosto tanto de acompanhar como de tocar guitarradas. Acompanhar bem parece-me mais difícil que tocar guitarradas bem. (…) O acompanhamento não se pode ensinar e as guitarradas sim. O acompanhamento é uma intuição, é um campo muito complicado de provar, é muito abstrato”, costumava dizer Carlos Gonçalves.

Em 2004 lançou um disco a solo chamado “A Essência da Guitarra Portuguesa” incluído na coleção Fado Antologia da editora Companhia Nacional de Música. Em 2008 o guitarrista regressou aos palcos no Cabaré Maxime, em Lisboa, num espetáculo onde contou com a participação da voz da cantadeira Rosa Maria. Carlos Gonçalves morreu ontem em Lisboa aos 81 anos.

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa já lamentou o seu desaparecimento, recordando Carlos Gonçalves como alguém que soube representar a essência da guitarra portuguesa "na sua vivacidade, rigor e melancolia". Numa nota na página da Presidência pode ler-se que Carlos Gonçalves na sua parceria com Amália Rodrigues ficou “conhecido pela sua sensibilidade estrófica e tónica, adequando-se à voz e ao canto de Amália”.