O "Público" conta-nos a estória e já nos contou tantas estórias verdadeiras, em matéria de banca, que não há nenhuma razão para duvidar de mais uma grande investigação que põe literalmente a nu a nova “negociata” bancária do Novo Banco. Sem ofensa, porque o que nos conta da venda de 5,3 mil imóveis pelo banco “bom” a um Fundo de Risco, sediado como sempre num off-shore, não tem nada de ilegal e até pode ser visto como um excelente negócio, feito com a melhor das intenções. Mas a verdade é que, visto de fora, o que parece é uma grande escandaleira.
Porquê? Porque se esta pode ser uma operação considerada como de boa gestão no Novo Banco, como este defende no seu esclarecimento e “sem custo direto para o Fundo de Resolução” porque “ a generalidade dos imoveis não estão cobertas pelo mecanismo de proteção de capital” os próprios termos usados fazem supor que algum custo teve e entre os milhares de milhões de custos já suportados pelos contribuintes qualquer milhãozinho se torna irritante.
Neste caso concreto, basta a palavra “direto” para nos fazer supor que algum custo “indireto” teve. Quanto à confissão de que a “generalidade dos imóveis não estão cobertos pelo mecanismo de proteção de capital” é a admissão de que alguns estarão. Pouco ou muito, esse dinheiro, talvez desse jeito ao Dr. Medina para construir casas em Lisboa. Ou, como a arquiteta Helena Roseta opinou, porque não comprou o Estado, ao Novo Banco, estas casinhas com o mesmo desconto dado ao comprador?
Já que o casamento com o banco “bom” do BES é indissolúvel ao menos que seja para o “pior” e para “o melhor”. O Novo Banco explica, contraditando a ideia passada pelo Público, que não lhe faltaram interessados ( foram 48 no total, 16 pré-selecionados, 7 propostas recebidas e 2 em licitação final) o que fez da operação “ a 2º melhor operação realizada na península”. Acreditamos.
O negócio do Novo Banco não é o imobiliário. Percebe-se que a sua especialidade não seja a compra e venda de propriedades. Ou seja, o Novo banco concorre com outras instituições financeiras, mas não é concorrente da Remax ( passe a publicidade). Contudo, no seu ativo, tinha registado por 631 milhões um imenso monte de 5 mil propriedades ( num total superior a mais de 8 mil frações) de que precisava desfazer-se rapidamente aproveitando o “boom” do imobiliário.
Até porque o valor atribuído aos imóveis estava muito provavelmente “insuflado”, imaginamos nós. Para isso necessitava naturalmente de vender o pacote a quem soubesse rentabilizá-lo, perdendo o menos possível e com o risco mínimo. Acredito que não seria nada fácil encontrar, nem dentro nem fora do país, quem quisesse comprar por muito mais este enorme pacote, onde deviam estar misturadas pequenas joias e um montão de lixo.
Até aqui tudo bem. Era preciso encontrar um fundo com músculo suficiente para pagar o pacote (nome de código “Viriato”). O Novo Banco encontrou, mas com um desconto de quase 50%, embora garanta que “não foi a preço de saldo”. Nada de ilegal, até porque para o Novo Banco, em tempos de boom imobiliário, não existia risco nenhum. É verdade que emprestou ao comprador uma boa maquia, mas a garantia do empréstimo para a compra dos seus imóveis eram as hipotecas dos edifícios e frações vendidas. O empréstimo mantinha a garantia real mais do que suficiente para assegurar o risco zero. Isso ninguém pode contestar. E, não tem nada de anormal.
O pior vem depois. No balanço estavam mais de 631 milhões e a entrada era agora de cerca de metade. Quem paga a diferença (260 milhões)? O Fundo de Resolução? A administração garante que diretamente não. Fica no ar a questão então quem? Se esse é o saco sem fundo do Novo Banco, pago pelos contribuintes e, por ironia do destino, também pelos concorrentes, através de suaves prestações que serão pagas lá para o dia de São Nunca à tarde.
Resumindo, entre os muitos milhares de milhões que os contribuintes já enterraram e ainda vão enterrar no banco “bom”, que nos parece cada vez pior, está esta migalhinha de alguns milhões para as perdas de imobiliário do pacote “Viriato”.
Até aqui são más notícias, mas a más noticias já estamos todos habituados.
A história torna-se estranha apenas quando se fica a conhecer a investigação do "Público" sobre a origem do comprador e como os fundos off-shore, mais uma vez, permitem que gente quase anónima faça subitamente negócios de centenas de milhões.
Neste caso a estória contada pelo Público é esta: O casal António Barão e Ana Paula Lapa registaram no mesmo dia (8 de Novembro de 2017) cinco imobiliárias, com sede na mesma loja do mesmo centro comercial, em Lisboa. Cada um ficou com 50 por cento das quotas de um capital total social de 5 mil euros.
Num ano, só uma das imobiliárias vendeu qualquer coisinha (por 200 euros!), eu arrisco que foi uma maqueta de casa de bonecas, porque como sou dada ao miniaturismo sei que o preço não anda longe disso e sempre podia servir para a decoração da montra.
O que é que estas modestas imobiliárias têm a ver com o negócio do Novo Banco? Foram compradas, em bloco, pela sucursal do Luxemburgo (chamada AIO), criada a 11 de Dezembro do mesmo ano por um igualmente desconhecido Hedge Fund (fundo de alto risco) com sede nas ilhas Caimão, criado cinco dias antes das imobiliárias do tal centro comercial, mas com um capital social de 1250 milhões repartido por 18 investidores anónimos.
Como o Fundo de Risco das Caimão eram proprietários, via sucursal no Luxemburgo criada pouco depois das imobiliárias lisboetas, estas que nunca tinham feito nenhum negócio a valer, puderam comprar, ao Novo Banco, por 364 milhões, o pacote imobiliário visto como “uma pechincha” na versão do Público mas a bons “preços de mercado” segundo o esclarecimento do Novo Banco.
Ora aqui está como com 5 mil euros de capital em cinco pequenas empresas com uma montra comum, em menos de um ano, se podem comprar mais de 5 mil imóveis ( o Público somando imóveis e frações chega a 13 mil o que faz parecer a coisa ainda mais escandalosa mas não altera o essencial). Isto sim é saber fazer negócio. Qual será a renda do centro comercial Columbia? É a primeira questão que nos vem à cabeça, porque o centro é pequenino, um bocado degradado, mas muito bem localizado, mesmo ali ao Campo Pequeno.
Acho que é para esclarecer estes pequenos pormenores que, perante as questões suscitadas primeiro pela arquiteta Helena Roseta e depois retomadas pelo deputado Rui Rio, António Costa, a poucos dias de lhe entregarem a desejada auditoria independente aos negócios recentes do Novo Banco, pediu ao Ministério Público para também “investigar” o negócio.
Aproveitando as dúvidas do "Público", o Novo Banco também aproveitou e, esta segunda-feira, mandou nova papelada a esclarecer a Procuradoria de toda a operação de venda de imóveis (Viriato e Sertorius), que já estavam investigadas pela auditoria em curso, pedida pelo Governo, e que nunca mais é conhecida.
Enquanto não acabarem com as "off-shores", vamos continuar a andar nisto. Eu sei que é preciso cooperação internacional, mas talvez seja hora de dar os primeiros passos, e acabar com eles.