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Salário mínimo nos 600 euros, não mais; aumentos da função pública não entusiasmam. Marcelo Rebelo de Sousa quer cuidado no último orçamento da legislatura e sobretudo que ele exista. Se não, pondera eleições antecipadas que terão de acontecer ainda antes das eleições europeias de maio do próximo ano.
No 1º de Maio as centrais sindicais clamaram por aumentos para a função pública. O líder do PSD também pediu esse aumento. Seria justo ou eleitoralista dar aumentos no ano das eleições?
Vou distinguir duas realidades, o aumento do salário mínimo e o problema do aumento da função pública. Quanto ao salário mínimo há um processo natural que está largamente pré-determinado, uma vez que o Governo no seu programa tem metas que tem vindo a seguir - umas vezes na base de um acordo de concertação social, outras unilateralmente. Penso que será muito difícil, olhando para a experiência dos últimos anos, um desvio relativamente...
A CGTP pede que seja de 650 euros em 2019...
Faz parte da lógica das coisas que haja quem defenda menos e quem defenda mais - patronato menos e a CGTP mais. Mas penso que vai haver o curso natural dos acontecimentos e provavelmente terminar-se-à com aquilo que faz parte do programa de Governo [600 euros/mês]. Quanto à questão que tem a ver especificamente com o Orçamento do Estado (OE 2019), penso que é de bom-senso não me pronunciar...
Mas o Presidente já pediu que o OE 2019 não fosse eleitoralista...
O Presidente pode dizer o que pensa em geral sobre o OE, mas estar a discutir medidas específicas não me parece adequado. Se quiserem a filosofia geral eu diria que, sobre o OE 2019, há um debate em que há dois tipos de argumentos opostos. Um tem sido o seguinte: agora que há uma folga que vem sobretudo da parte dos juros, que têm tido uma descida considerável, há que aproveitar essa folga com mais investimento (dizem uns) nos sistemas sociais como a Saúde, ou (dizem outros) na progressão das carreiras ou aumento de salários da função pública, depois de um longo período de congelamento.
Pode seguindo a inflação...
… E até juntam um argumento: que se tem estado a recorrer a empréstimos de curto prazo com taxas de juros negativas, que isto pode não suceder no futuro e que é de aproveitar enquanto acontece, fazendo-o já, nomeadamente em 2019.
Mas depois há outro tipo de argumentos, dos que dizem que estamos a ter uma tendência de descida apreciável do défice, para 0,9% [do PIB] e que não faz sentido haver uma inversão, isto é, de 0,9% subir para 1%, 1,1%...
... os que dizem que temos de manter algum esforço de consolidação [como o Governo].
... dizem que há aqui uma linha que é seguida e que o afastamento dessa linha teria consequências potencialmente negativas, internamente e internacionalmente. E há um argumento, não menos importante: ninguém garante que não haja uma evolução nos juros ascendente nos próximos tempos. Se isso acontecer, aquilo que tivemos de precaução na gestão da folga será muito útil no futuro próximo. Mas há um terceiro argumento ainda deste lado, que é o montante de dívida pública que nós temos. Não estamos a falar de um país com uma dívida pública insignificante, nem em termos absolutos, nem em termos relativos.
Mas juntarei a isso ainda mais alguns argumentos. Um tem a ver com algumas previsões que nos dizem que há uma desaceleração ligeira no crescimento do PIB, em Portugal e na Europa. Somemos a isso a questão dos fundos europeus, em que o ponto de partida é um mau ponto de partida - o que significa haver um risco de corte nos fundos recebidos por Portugal a partir de 2021. Eu não escondo que, colocando nos pratos da balança argumentos de um lado e argumentos do outro, tendo a acompanhar a posição de precaução que diz: sem dúvida, tentar encontrar dentro do possível mais investimento - nomeadamente nos sistemas sociais - mas sem pôr em causa aquilo que é uma trajetória e que é uma prevenção para o futuro. Como é que isto se traduz em termos concretos, vamos ver na elaboração do OE, que só agora está a arrancar.
No Parlamento, o Governo viu a esquerda levar a votos resoluções que chumbavam a revisão em baixa do défice para este ano. Acha mau sinal para a negociação do próximo OE?
Acho um bom sinal não ter passado nenhuma dessas resoluções. As várias resoluções, que vinham de vários lados, nenhuma passou. Isto significa o quê? Que houve um consenso maioritário, nem que seja por coligações negativas de vários lados, no sentido de que a trajetória é para manter. Agora a pergunta é: mas vai ser complexa a negociação do OE 2019? Isso já sabíamos, que ia ser mais complexa do que a do ano anterior. A minha prevenção sobre eleitoralismos também tinha a ver com isso. É que é inevitável estar presente na cabeça de quem vai votar que é o Orçamento do ano eleitoral. Continuo a considerar fundamental que o OE seja aprovado. E é tão fundamental para mim que uma não aprovação do OE me levaria a pensar duas vezes relativamente ao que considero essencial para o país, que é que a legislatura seja cumprida até ao fim.
O BE marcou a sua convenção para o próximo mês de novembro, antes da votação final do OE2019. Repito a pergunta: acha mau sinal?
Bom, eu não comento convocatórias para reuniões partidárias, eu formulo pela positiva: espero que haja o mesmo bom-senso que houve em circunstâncias anteriores. Agora, por maioria de razão, já que estamos na ponta final da legislatura.
E nesse bom-senso inclui o PSD, que desta vez salvou o Governo na votação do Programa de Estabilidade [chumbando as resoluções críticas da esquerda]?
Eu falei em bom-senso, não falei em consenso (risos). Portanto, bom-senso que pode exprimir-se de várias maneiras.
Tendo o PSD salvo o Governo nessa votação, se houver um problema nas negociações do OE à esquerda, o PSD pode abster-se e evitar uma crise política?
Não sei, isso é uma pergunta a colocar ao líder do PSD.
Para o Presidente, tanto faz que o próximo OE seja viabilizado de uma maneira ou de outra?
A posição do Presidente é que é fundamental para o país que haja orçamento aprovado, de modo a entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2019.
Se não houver orçamento aprovado, iremos para eleições antecipadas?
Se não houver orçamento aprovado, aí coloca-se um problema complicado: seria o reinício do processo orçamental e provavelmente aí teria de se pensar duas vezes sobre se faz sentido não antecipar as eleições.
E juntava-se legislativas e europeias?
Nesse caso até, infelizmente seria pior do que isso. Não daria para esperar até às europeias.
Mário Centeno é o ministro mais contestado nas bancadas à esquerda. Também acha que o discurso do ministro mudou desde que ele chegou à liderança do Eurogrupo?
Há uma trajetória que traduz uma política financeira e uma política europeia. Traduz uma opção que é de todo o Governo e que é personificada em primeira instância pelo primeiro-ministro. É uma trajetória que superou as expectativas críticas que encontrei, em meios financeiros e económicos internos e externos, e já mereceu até aplausos.
Teve com Mário Centeno uma situação complicada, que quase ia levando a uma remodelação. Mudou a sua ideia sobre ele, entre o episódio da CGD e a presidência do Eurogrupo?
Não, os factos só deram razão àquilo que eu tinha dito na altura: que havia razões de interesse nacional que justificavam a presença do ministro das Finanças no cargo. E viu-se que havia. Traduziu-se em resultados que são hoje reconhecidos.
Um dos sectores sob pressão é o da Saúde. O Presidente criticou já a falta de investimento dos últimos anos no SNS. Acha que a situação é hoje preocupante?
A situação que tentei retratar há duas semanas, de décadas de transformação da realidade económica e social do país que nem sempre foi acompanhada pelas reformas ou retoques no SNS, justifica uma reflexão alargada. Essa reflexão irá existir a partir de um documento base, elaborado pela comissão a que preside a dra. Maria de Belém Roseira [lei de Bases da Saúde], e é uma reflexão importante e urgente. Quanto mais vasto for o debate, quanto maior for a convergência possível - sabendo que nós que há diversidade de discurso e opções políticas nesta matéria - melhor. Porque a grande questão no SNS é o médio e longo prazo. É evidente que o está em debate no dia-a-dia, sobretudo quanto estamos em véspera de elaboração do OE, são as questões do momento.
Para o Presidente, é matéria para um pacto de regime? Estou a falar de alternâncias de Governo...
Eu não gosto de usar a expressão, porque cai-se no risco do abuso e da criação de anticorpos. Eu prefiro falar em convergências, que no domínio da Saúde muitas vezes foram tácitas, não foram expressas. Agora é preciso que sejam expressas, porque provavelmente para se planear o médio e longo prazo é preciso ir além do que se foi até agora. Eu espero que se vá além do que se foi até agora. Mas se me pergunta: se for possível, dentro de uma preocupação com a linha de orientação do OE, encontrar maneira de no curto prazo ir resolvendo problemas mais urgentes, tanto melhor. As visitas que tenho feito pelo país tem-me permitido ter a noção exata do que se tem feito, mas também do muito que é necessário ir fazendo.
Falava-nos de acordos expressos e há dois assinados entre Governo e PSD. Gostou do conteúdo?
Vamos primeiro à questão dos fundos estruturais. Estava no horizonte como cenário possível aquele que temos de evitar, ou contra o qual temos que lutar. E aí devo dizer que é uma luta nacional. Não vejo como é que outros partidos e parceiros sociais, independentemente de gostarem mais ou menos de Europa, mais do euro ou menos, discordam de três ou quatro pontos óbvios. Primeiro: que o orçamento europeu tem que ser mais ambicioso do que aquele que foi apresentado.
Segundo: que isso significa não poder sacrificar áreas que são fundamentais para a Europa, que são a coesão social e a PAC - uma Europa que não é capaz de ter presente o problema da coesão social é uma Europa pouco unida e que se mantém muito injusta e desigual.
Mas depois é evidente que, para se conseguir esse orçamento, tem que se pensar em aumento das contribuições dos estados-membros, na proporção dos rendimentos; e temos que debater a sério os recursos próprios da UE.
O acordo fala de taxas.
Ora bom, seja como for qualificado, há países que já têm sobre as empresas que operam no domínio da internet taxas ou contribuições. Ainda agora a Espanha apresentou no orçamento para o próximo ano a previsão de um desses instrumentos financeiros. Por que é que a Europa não haverá de ter? E em que é que isso vai recair sobre os cidadãos de forma gravosa? Depois há sempre aquele sonho do imposto sobre transações financeiras, mas isso nós sabemos que é mais difícil.
Acha portanto o acordo positivo?
Acho o acordo muito positivo, não vejo razão para numa parte dele não se alargar a outros partidos.
E em relação ao outro acordo? O da descentralização.
Se bem percebi o acordo, ele divide a descentralização em duas fases: a imediata e a fase a estudar. Na imediata, que é sobre transferência de competências, penso que pode ter virtualidades (sobretudo porque é feita num momento em que há folga para isso), se houver não só gradualismo, realismo, como também instrumentos [ou financiamento] para poder funcionar. Nesse sentido, é positivo. Em relação à segunda fase, ela vai ser entregue a uma comissão de personalidades, com estatuto de independência, que irá estudar que passos depois serão dados. Porque, tanto quanto compreendi, aí os subscritores têm visões diversas sobre os passos a dar. Vamos esperar para ver. Como é para a próxima legislatura, antes disso o povo - que é quem mais ordena - ordenará o que quer para a próxima legislatura.
O ministro da Agricultura defendeu um segundo referendo sobre a regionalização na próxima legislatura. O Presidente concordaria?
Sabe que a Constituição o prevê… E supondo que é um referendo nos termos constitucionais, ou seja, que não há uma revisão da constituição para fazer um referendo diferente, é uma possibilidade perfeitamente (em termos teóricos) concebível. Agora, do que eu percebi, isso implica primeiro esperar pelo resultado das eleições, depois pelo trabalho da comissão de especialistas, depois pelo consenso que possa existir relativamente àquilo que é debatido e depois, se for caso disso, de um voto dos portugueses. Para não colocar um carro à frente dos bois, talvez seja bom por aplicar antes esta primeira fase da descentralização.
A tensão entre os partidos da maioria de esquerda tem aumentado à medida que se aproxima o congresso do PS - e as legislativas. O que é que serve melhor a democracia: um PS mais ao centro ou capaz de abrir novas pontes à esquerda?
Já sabe que não vou responder. Não respondo a esse tipo de questões que têm a ver com estratégias partidárias. Os partidos são livres de definir as suas estratégias.
Já falámos aqui de eleições, antecipadas ou não. Se sair um Governo minoritário das eleições, será aceite pelo Presidente?
Vamos esperar, primeiro, que se chegue ao fim da legislatura. Em segundo lugar que haja eleições. Vamos esperar pela expressão do voto dos portugueses, vamos esperar pela iniciativa decorrente dos partidos e, depois, naturalmente que o Presidente se pronunciará.
Não sendo por antecipação... como é que o Presidente sentiu a mudança de liderança do PSD? Acha que mudou o panorama político?
Também não vou responder.