A fase de instrução do processo Rui Pinto começa esta quarta-feira, no Tribunal de Instrução Criminal, em Lisboa. Pirata informático para uns, denunciante para outros, o jovem natural de Gaia é suspeito de 147 crimes de acesso ilegítimo, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão.
O que está em causa na fase de instrução do processo Rui Pinto?
A instrução é uma fase facultativa do processo. Avalia se há indícios suficientes para levar os arguidos a julgamento. A instrução estava inicialmente marcada para 12 de dezembro. Mas foi adiada, devido a um impedimento de Aníbal Pinto, também arguido no processo. A instrução acontece a pedido de um dos arguidos (neste caso dos dois) e visa pôr em causa a acusação do Ministério Público. Pode cair toda a acusação ou alguns dos crimes. Tudo depende da prova que é apresentada pela defesa e do efeito que provocará na convicção da juíza de instrução Cláudia Pina - “in dubio pro reo”.
O debate instrutório decorre no Tribunal de Instrução Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa. Está prevista uma única sessão, durante a qual será interrogado Aníbal Pinto. De seguida, as defesas apresentarão as suas alegações. Tanto o debate instrutório (com exceção da inquirição de Aníbal Pinto) como a leitura da decisão serão públicos.
“Falhas no preenchimento do alargamento do segundo mandado de detenção europeu” emitido pelo Ministério Público (MP), a” confusão” e a sobreposição entre crimes e a impossibilidade de os procuradores avançarem com a acusação por 46 crimes de violação de correspondência, uma vez que estes crimes dependem da apresentação de queixa por parte dos ofendidos e, dos 59,apenas 12 “manifestaram expressamente a sua vontade de procedimento criminal”, são alguns dos argumentos apresentados pela defesa de Rui Pinto.
Os advogados de Rui Pinto defendem, também, que o alegado “hacker” não pode ser julgado em Portugal pelo ataque informático de 2015 à Doyen Sports Investments Ltd, um dos principais alvos do Football Leaks, uma vez que não se encontrava em Portugal, mas em Budapeste, à data da prática dos factos e a empresa em causa não está sedeado em solo português, mas em Malta.
De que crimes está acusado Rui Pinto?
Rui Pinto está acusado de 147 crimes de acesso ilegítimo, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão. O “hacker” pirateou nomeadamente as caixas de correio eletrónico do Sporting, do Ministério Público - onde terá acedido a informação sobre os processos Marquês, Tancos e BES -, da sociedade de advogados PLMJ e da Federação Portuguesa de Futebol e do Fundo de investimento Doyen.
Segundo a acusação, terá tentado extorquir à Doyen, com o seu advogado da altura, Aníbal Pinto, entre 500 mil a um milhão de euros. O fundo, com sede fiscal em Malta, “emprestou” dinheiro ao Sporting e ao Futebol Clube do Porto para compra de jogadores. A ex-eurodeputada Ana Gomes chama-lhe “fundo mafioso”.
O relatório da análise forense feito pela Polícia Judiciária (PJ) a apenas um dos 12 discos externos apreendidos mostra que Rui Pinto acedeu não só aos sistemas internos de dezenas de empresas e instituições. Mas que tinha configurado no seu computador 488 contas de email.
Quem são os outros arguidos no processo?
Além de Rui Pinto, é arguido no processo Aníbal Pinto, que era seu advogado na altura da prática dos factos considerados na acusação do MP. Os procuradores responsáveis pela investigação criminal acusam-no de ter intermediado a tentativa de extorsão à Doyen.
Há quanto tempo está preso Rui Pinto?
Rui Pinto está em prisão preventiva desde março de 2019. Foi detido na Hungria, onde residia, no dia 22, na sequência de um mandado europeu de detenção, emitido pelas autoridades judiciais portuguesas.
O seu advogado, Paulo Teixeira da Mota, diz que “não há memória de alguém ter sido detido preventivamente em Portugal por tentativa de extorsão”. Numa declaração escrita que enviou em novembro para o programa “Em Nome da Lei”, da Renascença, Rui Pinto admitia que alguns dos seus atos possam ser considerados ilegais, mas lembrava que estava “há sete meses detido, seis dos quais em regime de isolamento, sem que tivesse tido qualquer interação com outros detidos. Não matei. Não roubei. Face a tudo o que tem acontecido neste processo tenho sérias dúvidas de que terei um julgamento justo”, argumentava o “hacker” português.
Porque é que tanto se fala sobre este caso?
Primeiro por razões óbvias: diz respeito ao mundo do futebol. E depois porque o caso Rui Pinto está envolto em controvérsia, desde a primeira hora. Criminoso? Ou colaborador da Justiça? O sistema judicial português está a tratar Rui Pinto como qualquer outro criminoso. Mas o mesmo não acontece com os procuradores da Bélgica, França, Holanda e também do Eurojust, com quem Rui Pinto colaborou, na qualidade de denunciante dos crimes cometidos pelos negócios do futebol, evasão fiscal, branqueamento e corrupção.
O que é que o caso Rui Pinto tem que ver com a delação premiada?
Este caso veio dar uma segunda oportunidade ao debate sobre o direito premial, que na versão brasileira é chamado de “delação premiada”. Consiste em beneficiar com perdão parcial ou total da pena os denunciantes de crimes em que tenham participado e que não só denunciem os seus cúmplices, como tragam prova significativa para o processo.
Os procuradores reclamam há muito o aprofundamento na lei penal portuguesa do direito premial, porque o consideram fundamental para a investigação de casos de corrupção. A ministra da Justiça, que é uma magistrada do MP de carreira, criou recentemente um grupo de trabalho que, entre outras medidas, vai estudar também essa. A questão é polémica porque traz à colação a figura “bufo” da PIDE, sempre invocada sobretudo pela geração política que viveu antes do 25 de Abril. O direito premial tem muitos anticorpos na bancada parlamentar do PS, o que poderá ditar a morte da ideia.