Um internauta contava esta semana no Facebook, a poucos dias das eleições presidenciais no Brasil, que decidiu abandonar o país quando em 2018 ouviu um jardineiro em São Paulo cantar: "É melhor Jair se acostumando..."
Quatro anos depois, o Brasil não se acostumou totalmente a Jair Bolsonaro. Pelo menos não o suficiente para o reeleger. Perdeu para Lula da Silva, o 'petista' que foi Presidente entre 2003 e 2010, que esteve preso e que renasceu das cinzas para conquistar a maioria dos votos este domingo -- ainda que não os suficientes para evitar um segundo turno.
Pela 1h da madrugada desta segunda-feira, contabilizada a quase totalidade dos votos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicava a mensagem "Eleição matematicamente definida (Segundo turno)". Cerca de 20 minutos depois, Lula celebrava a vitória com a promessa de vencer à segunda.
Bolsonaro só reagiria cerca de duas horas depois, declarando aos jornalistas que venceu "a mentira" de que Lula iria vencer à primeira com 51% dos votos. Sobre se vai aceitar os resultados desta primeira volta, respondeu: "Vou aguardar o parecer das forças armadas."
Ex-militar e confesso admirador da ditadura brasileira, Bolsonaro diz que começou a interessar-se pelo Exército aos 14 anos, embora já então apontasse a mira à presidência. Ao chegar a capitão, trocou as forças armadas pela política e ingressou no Partido Social Liberal (PSL).
Enquanto deputado federal, quase um terço dos 190 projetos-lei que apresentou estiveram relacionados com as forças armadas e 25% com segurança pública. Nos 27 anos que representou eleitores no Congresso, viu dois deles serem aprovados.
Foi pelo PSL, do qual viria a desvincular-se em finais de 2019, que foi eleito Presidente do Brasil há quatro anos. Católico devoto, decidiu rebatizar-se evangélico, um segmento do eleitorado brasileiro com peso e que continua a apoiá-lo em bloco. O seu slogan de campanha: "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos."
Ao longo deste mandato, o ultranacionalista fez-se representante dos setores mais conservadores da sociedade brasileira e dos eleitores mais velhos e saudosos dos tempos da ditadura militar, com um discurso marcadamento misógino, homofóbico e racista.
Também angariou várias críticas pela forma como geriu a pandemia de Covid-19; o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes -- à data mais de 686 mil pessoas. Um comité do Senado acusou-o de "crimes contra a humanidade" pelo seu negacionismo e por incitar à infração das medidas sanitárias impostas para conter a propagação do coronavírus. Em junho de 2020, um tribunal de Brasília ordenou ao Presidente que usasse máscara em espaços públicos, sob pena de pagar multa.
Apologista da tortura, no primeiro ano enquanto Presidente homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, "o pavor de Dilma Rousseff" como lhe chamou, em referência à antecessora; um mês depois, aconsellhou alunos de uma escola que visitava a lerem a obra do militar torturador.
Em plena campanha para a reeleição, propôs que militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) fossem fuzilados. Três dias antes da ida às urnas, ganhou em Neymar um dos seus apoiantes mais famosos.
A campanha fê-la sobretudo nas redes sociais, onde foi questionando a transparência e o funcionamento do sistema de voto no Brasil, até o Tribunal Superior Eleitoral ordernar a retirada de um vídeo falso sobre o assunto. Fê-la também com promessas de disputar os resultados caso saísse derrotado.
As sondagens chegaram a prever que a derrota seria firmada já este domingo. Mas, afinal, houve quem se habituasse ao Presidente Bolsonaro, que parte perdedor para a segunda volta contra Lula.
[atualizado às 3h com um excerto da reação do Presidente Jair Bolsonaro aos resultados eleitorais]