Depois de Ana Abrunhosa, Pedro Nuno Santos e Manuel Pizarro, a sombra de um alegado conflito de interesses também atinge a ministra da Ciência e do Ensino Superior, Elvira Fortunato.
Desta vez, avança a revista "Sábado" esta quinta-feira, as dúvidas surgem a propósito da "Almascience", uma associação que investiga as aplicações inteligentes e sustentáveis da celulose.
A entidade é administrada pelo marido da ministra e terá sido contemplada com um apoio de mais de 56 mil euros pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que é tutelada por Elvira Fortunato.
O gabinete da ministra da Ciência e do Ensino Superior, citado pela revista, garante não existir qualquer impedimento e sublinha: "O exercício dos referidos poderes [da ministra] não abrange as decisões em matéria de conceção de apoios financeiros."
Acrescenta ainda que os "projetos de investigação são avaliados por painéis compostos por peritos independentes predominantemente afiliados a instituições estrangeiras".
A Renascença tentou o contacto direto com a ministra Elvira Fortunato, sem sucesso até ao momento.
Frente Cívica sugere "organismo independente"
João Paulo Batalha, da associação Frente Cívica, considera que "não parece haver uma ilegalidade", mas admite que há conflito de interesses.
"Acho que há um conflito de interesses, porque se está a falar de uma pessoa com uma carreira conhecida na investigação científica" que se torna ministra "sem resolver os interesses que tem na área que vai tutelar".
"A ministra limitou-se a passar os seus interesses empresariais para o marido e isso não é suficiente para tranquilizar a opinião pública e preservar a idoneidade das instituições quanto aos riscos de interferência nos processos de decisão", salienta Batalha à Renascença.
O vice-presidente da associação considera que, "provavelmente", não existirá risco de interferência da ministra nas decisões de financiamento, "mas o facto de ela manter interesses, através do marido, nas áreas que está a tutelar é uma questão mal resolvida".
Apesar de não considerar riscos ou ilegalidades neste caso em específico, João Paulo Batalha defende a existência de "mecanismos para prevenir este tipo de conflitos de interesses, nem que sejam aparentes".
"Porque mesmo a aparência de conflito de interesses cria dano à imagem das pessoas e das instituições envolvidas", realça.
Esta sugestão está em linha, sobretudo, com a opinião do dirigente de que alterar a lei não irá solucionar este tipo de problemas. "Estamos constantemente a rever as várias leis que regulam esta matéria. A mais recente é de 2019, foi revista todos os anos desde que foi aprovada e isso não resolve o assunto", explica.
De acordo com o dirigente, "o que a lei precisa de fazer é criar, desejavelmente, um organismo independente que faça, caso a caso, avaliações de conflitos de interesses, de problemas éticos".
Para João Paulo Batalha, deveria existir uma entidade que fizesse "o aconselhamento dos responsáveis políticos sobre a melhor forma de proceder face a esses conflitos de interesses". "No limite, imponha remédios ou sanções para quem não tenha uma boa conduta ética."
A gestão deste tipo de impasses deverá ser, assim, colocada num órgão externo, e "não nas mãos de quem está no conflito de interesses", sublinha.
"Tentar pôr tudo dentro da lei é a guerra perdida que nós temos há vários anos em Portugal", sumariza o vice-presidente da Frente Cívica.