Cumprem-se este sábado, 12 de março, dois anos sobre a morte de um cidadão ucraniano no Aeroporto de Lisboa. Ihor Homeniuk morreu no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa quando estava à guarda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), devido às agressões de que foi alvo por parte de três inspetores daquela força, diz o acórdão do Tribunal.
Dois anos depois, o processo judicial ainda não está fechado. Acaba de chegar ao Supremo Tribunal de Justiça.
Em maio de 2021, os três inspetores foram condenados em Primeira Instância a sete e nove anos de prisão, penas que viram confirmadas – e num dos casos até agravada – na sequência dos recursos que apresentaram no Tribunal da Relação.
Por razões diferentes, nem a defesa dos inspetores nem a família da vítima concordam com as penas aplicadas e, por isso, na semana passada seguiram novos recursos, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça. Os inspetores condenados aguardam o desenrolar do processo em prisão domiciliária.
Em declarações à Renascença, José Gaspar Schwalbach, o advogado da família de Ihor Homeniuk, lamenta duas situações: que durante o julgamento o Ministério Público tenha deixado cair a acusação de homicídio, o que reduziu a moldura penal aplicável, e agora a morosidade do processo.
Diz que a viúva não entende como é que os condenados continuam em casa.
“Neste momento, e ao contrário do que a família esperava, os arguidos continuam numa relativa liberdade com a medida de prisão domiciliária, sendo certo que já foram condenados duas vezes – na primeira instância e agora em sede de recurso, em que todas as penas foram equiparadas tendo em conta que o nível de responsabilidade de todos era idêntico – mas continuam em casa. E esta é uma questão que tem preocupado a família, por perceber que não existe o verdadeiro cumprimento da pena de prisão, por um crime hediondo que foi cometido em instalações do Estado português”.
O advogado, que continua a representar a viúva de Ihor Homeniuk, lembra que, se as medidas de coação não forem alteradas, “os arguidos poderão continuar em casa por largos meses mais, continuando sem cumprir a pena de prisão”.
E vai mais longe, sugerindo que “se fosse alguém que tivesse atacado um funcionário do SEF estaria em prisão preventiva, mas como foi o contrário os arguidos continuam numa relativa liberdade”.
Defesa quer nova peritagem independente
Já o advogado de Bruno Sousa, um dos inspetores condenados, diz que para haver justiça este julgamento tem que voltar para a Primeira Instância.
Ricardo Sá Fernandes lembra que sempre defendeu a realização de uma nova peritagem, independente, nacional ou estrangeira, que explique o que realmente aconteceu naquela sala do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Como isso não aconteceu durante o julgamento, é necessário que o Supremo o decrete.
“A defesa tem sempre sustentado que a peritagem que consta dos autos é uma peritagem insuficiente, que levou a conclusões erradas, e tem sustentado que seria importante que houvesse uma nova peritagem. Designadamente sobre os termos em que ocorreu a perícia médico-legal que se traduziu na autópsia do infeliz cidadão ucraniano.”
“Se essa diligência for deferida, se o Supremo entender que o processo se encontra insuficientemente instruído por falta dessa diligência, então o processo terá que voltar para a Primeira Instância, e o processo não será tão célere como isso”, sublinha Ricardo Sá Fernandes.
Se isso acontecer, “não significa forçosamente repetir o julgamento, ainda que essa possibilidade também se coloque. Para nós o que é absolutamente crucial é que haja uma nova perícia. Nós entendemos que a perícia que consta do processo gerou inúmeros equívocos, é insuficiente, não responde às regras da arte, e por isso nós sustentamos que se impõe que haja uma nova perícia. Não é possível que este processo não tenha, do ponto de vista científico, a confirmação ou infirmação por via de uma outra perícia”, afirma o advogado do inspetor do SEF.
Ricardo Sá Fernandes recorreu para o Supremo e admite ir até ao Constitucional, porque não concorda que estes três inspetores sejam responsabilizados por tudo o que aconteceu naquele dia.
Por isso, diz estar atento aos novos inquéritos que resultaram do processo principal – nomeadamente o que acusa mais três inspetores do SEF e seis funcionários da segurança privada que estiveram a trabalhar naquele dia no Aeroporto de Lisboa.
“O que aconteceu neste processo foi que estes três cidadãos carregaram a responsabilidade de uma morte que, na nossa avaliação, não é deles”, sustenta.
Ricardo Sá Fernandes considera que Ihor Homeniuk “não devia ter morrido nas circunstâncias em que morreu” e mostra-se solidário com a família.
“Entendemos que alguma coisa correu mal nas circunstâncias em que este homem esteve detido à guarda do Estado português. Nós não queremos absolver o Estado português das responsabilidades que tem, e no que diz respeito ao meu cliente às responsabilidades que ele, eventualmente, possa ter também.”
No entanto, o advogado argumenta que “aquilo que está vertido na sentença que os condenou, atribuindo-lhes a responsabilidade - agora já não com a intenção de matar o cidadão ucraniano - mas dizendo que agrediram, baterem, coisas que não aconteceram e que esperamos provar”.
“Crime hediondo deve ser severamente punido”
Pelo contrário, José Gaspar Schwalbach nem quer imaginar que as penas venham a ser reduzidas por outros tribunais.
“Eu ainda confio na justiça, e tenho a certeza de que um crime hediondo deve ser severamente punido. Um homicídio, uma morte que ocorreu em instalações do Estado português, deve ser severamente punido. Não quero acreditar que as pessoas que perpetraram as ações que levaram à morte vejam as suas penas desagravadas.”
E porque também acha que a responsabilidade não se cinge aos três arguidos já julgados, também José Gaspar Schwalbach atribui muita importância ao novo inquérito que alarga a investigação a mais funcionários do SEF, e também aos seguranças privados.
“Durante 48 horas um cidadão estrangeiro esteve ilegalmente detido nas instalações do SEF no Aeroporto. Durante essas 48 horas houve uma série de pessoas que, quer por ação quer por omissão, tiveram intervenção e levaram a este desfecho trágico. Ora, todas as pessoas que com este cidadão tiveram contacto, deverão ser chamadas a responder por que razão não agiram, quer chamando outras forças de segurança para libertarem o cidadão, quer chamando médicos ou enfermeiros para o ajudar quando viram que tinha sido agredido”, concluiu o advogado da família de Ihor Homeniuk.