Ana Gomes. Ilegalidade do Chega “está a ser levada a sério”
15-04-2021 - 06:00
 • Eunice Lourenço (Renascença), Luciano Alvarez (Público)

Antiga candidata à Presidência faz balanço positivo do início do segundo mandato de Marcelo e defende uma “Geringonça II”.

Ana Gomes garante que da sua candidatura presidencial ficou apenas ela e que o seu partido continua a ser o PS. Em entrevista à Renascença e ao jornal "Público", também fala da situação na Etiópia, um país que conhece devido às suas funções de observadora das eleições de 2005.


Que avaliação faz do início do segundo mandato do Presidente da República? Acha que vai ser muito diferente do primeiro?
É normal que seja diferente, desde logo porque o Presidente não tem que ser reeleito e isso muda tudo na sua abordagem. Depois, porque as condições hoje são muito diferentes do que eram no primeiro mandato, quando havia um Governo de que muita gente duvidava que conseguiria cumprir a legislatura. Hoje, não temos ‘geringonça’, temos uma situação de grande instabilidade porque temos um Governo que não tem maioria absoluta e devia estar a negociar, negociar, negociar em todos os azimutes – aliás, valendo-se do exemplo bem-sucedido da ‘geringonça’. Temos um primeiro-ministro que não quis fazer uma ‘geringonça 2’, que lhe daria mais estabilidade, para não ter de negociar in extremis. Vai ser complicado. Não é por acaso que o Presidente, neste afrontamento que teve com o Governo sobre os apoios sociais, disse que promulgou o decreto, para, de forma preventiva, incentivar o Governo a negociar o próximo Orçamento do Estado.

Para já, portanto, faz uma avaliação positiva
Para já sim, eu teria feito o mesmo que o Presidente da República fez.

Acha que o Governo deve ser incentivado, estimulado, forçado, a negociar mais?
Acho que sim, isso é essencial. Já temos uma crise sanitária terrível, que está a ter consequências económicas e sociais devastadoras, precisamos de crise política? Não! Seria devastador para a capacidade de o país recuperar. O Governo tem de negociar, tem de fazer passar os próximos Orçamentos do Estado.

O que é que ficou a sua candidatura presidencial? Como é que vai continuar a sua intervenção política?
Fiquei eu, de cabeça independente, ficaram todos os amigos que me apoiaram – conheci novas pessoas do meu partido, de outros partidos e independentes de quem fiquei amiga –, mas não há nenhuma formação. Sou militante do PS e acho que é dentro do PS e dentro dos partidos políticos que temos de fazer o combate pelo reforço da democracia, pelo reforço das instituições democráticas, entre elas os próprios partidos políticos.

Acusam-me de ser populista, mas eu não quero destruir as instituições, eu quero reforçá-las e regenerá-las – incluindo o meu partido, que é o PS. Daí que eu fale livremente. E resta um sentimento de independência maior do que nunca, de que nunca abdiquei. Voltei ao comentário político, estou a escrever sobre o processo de 1999 em Timor, acho que é minha obrigação e é a minha prioridade.

Há cerca de um mês entregou na Procuradoria-Geral da República um conjunto de documentação em que pedia a reavaliação do partido Chega, porque considera que tem um discurso racista e xenófobo. Já recebeu alguma resposta?
Já. Sei que está a ser levado a sério, quer na Procuradoria-Geral da República, quer no Tribunal Constitucional. É o que lhe posso dizer. Também mandei esses documentos para as instâncias europeias e do Conselho da Europa – que fez recentemente um relatório a falar da preocupação do fenómeno racista e xenófobo em diversos países…

Está a dizer que a ilegalização do Chega está em cima da mesa?
Eu assumi, fiz aquilo que achava indispensável e achava que devia ter sido o Presidente da República – ou outra instância política - a fazer. E sim, sei que o assunto está a ser seriamente estudado pelos órgãos competentes.

Para terminar, e mudando muito de assunto, queria perguntar-lhe pela Etiópia, país que conhece bem e que está a passar uma fase muito complicada. Como vê a situação?
Não fiquei muito surpreendida com este conflito no Tigré porque são os highliners do regime do antigo primeiro-ministro, um regime a que eles chamam étnico-federalismo, que no fundo é uma regra de dividir para reinar. Eles arranjaram um conflito no Tigré e há violações dos direitos humanos de parte a parte. Ainda hoje estive a falar com um responsável da Etiópia que me disse que neste momento há investigações da Comissão Nacional de Direitos Humanos em conjunto com instâncias das Nações Unidas.

E não tenho dúvida de que boa parte dos relatos sinistros que ouvimos aqui, que tendem apenas a culpar o lado governamental, fazem parte de uma narrativa construída pelos highliners do partido TPLF [Frente de Libertação do Povo Tigré], que têm muitos amigos, inclusive na União Europeia, no Reino Unido e até na Administração Biden – e que ajudaram a fazer, nos media internacionais, um coro sinistro, como se todas as violações de direitos humanos estivessem do lado do Governo. O TPLF são um grupo sinistro, os métodos dele são sinistros.