No mês passado, morreram em Portugal 10.390 pessoas - o valor mais alto registado nos meses de julho em 12 anos.
Os números são do Sistema Nacional de Vigilância da Mortalidade (eVM), que regista o número de óbitos diários desde 2009, e são citados nesta terça-feira pelo jornal "Público". Em julho deste ano, morreram mais 2.137 pessoas do que em igual período do ano anterior.
Em tempo de pandemia, poder-se-ia pensar que grande parte destas mortes está associada à Covid-19, mas apenas 1,5% se deve à doença causada pelo novo coronavírus.
Segundo a Direção-Geral da Saúde, o aumento de mortalidade deverá estar associado ao forte calor que se fez sentir no mês de julho. Mas há também a apontar a falta de acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo menos na opinião dos especialistas consultados pelo “Público”.
Dizem eles que a elevada mortalidade de julho pode também ser um efeito secundário do confinamento e do auge da pandemia em Portugal, período durante o qual o acesso ao SNS esteve condicionado – além de as pessoas terem medo de lá ir.
“Os hospitais são locais seguros”
À Renascença, o presidente do Sindicato Independente dos Médicos garante que os portugueses não precisam de ter medo de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde.
“Naturalmente, as pessoas tiveram receio de recorrer aos hospitais e por isso é importante dizer que os hospitais são locais seguros. Existem condições para que as pessoas que não tenham a doença [Covid] possam recorrer a eles e não estejam à espera das últimas situações para o fazer. É essencial que se crie a noção de segurança”, defende Jorge Roque da Cunha.
O responsável admite que a pandemia dificultou o acesso aos serviços de saúde e lembra que a listas de espera nos hospitais já eram grandes antes de o novo coronavírus cá chegar. A pandemia só veio agravar a situação.
É, por isso, necessário investimento. “O investimento no Serviço Nacional de Saúde tem de sair do papel, tem de passar a ser uma realidade”, defende.
Face à aproximação de mais um outono/inverno que se aproxima, Roque da Cunha admite que está preocupado com a possibilidade de “a próxima época da gripe” coexistir com a pandemia e que “as duas situações possam causar sérios constrangimentos”.
Daí a necessidade de “trabalhar e investir no Serviço Nacional de Saúde, algo que não tem acontecido nos últimos anos”.
“Em vez da retórica de se amar o Serviço Nacional de Saúde, é fundamental que se invista nas infraestruturas e também nos recursos humanos”, insiste, destacando ainda que, se, neste momento, a situação da pandemia aparenta “nalgum controlo, a verdade é que não podemos nem devemos facilitar”.
Privados com metade dos episódios de urgência
Os hospitais privados dizem ter sentido uma quebra para metade nos episódios de urgência por causa da pandemia de Covid-19, mas que, no final de julho, houve uma “recuperação muito significativa” nas consultas de especialidade.
Os dados da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) indicam que, nas cirurgias, os valores que se verificavam em fevereiro (cerca de 17.000) foram recuperados em julho (extrapolando a partir de dados obtidos até ao dia 22), depois de em abril não terem chegado às 3.000.
A APHP lembra que, com o decreto do estado de emergência, “houve uma quebra abrupta na atividade de todos os hospitais portugueses a partir da segunda quinzena de março, que se agravou em abril”.
No caso dos hospitais privados, “a atividade chegou a cair cerca de 67% em abril, face ao mesmo mês do período homólogo”, uma situação que foi transversal ao setor da saúde, quer no setor público quer no privado ou social, por causa da pandemia.
Nas consultas de especialidade, os privados dizem ter passado de cerca de 700.000 em fevereiro para menos de 400.000 em março e cerca de 150.000 em abril, valores que começaram a inverter em maio.
Em julho, extrapolando para o total do mês a partir dos dados obtidos até dia 22, os privados conseguiram recuperar nas consultas de especialidade para um valor próximo das 650.000.
“Nota-se, no entanto, ainda uma quebra da ordem dos 50% nos episódios de urgência”, reconhece a APHP.
“É fundamental que as pessoas continuem a cuidar da sua saúde, que não tenham receio de ir ao hospital”, afirma o presidente da associação, Óscar Gaspar, sublinhando que os hospitais privados estão já a funcionar em pleno.