A eutanásia humana é ilegal na larga maioria dos países, com excepção da Holanda, Bélgica, Colômbia e Luxemburgo. O suicídio assistido – em que é a própria pessoa que toma a medida que põe fim à sua vida, mas com a ajuda de outra – é legal na Suíça, Alemanha, Japão, Canadá e em cinco estados dos Estados Unidos.
Um olhar sobre a história da legalização destas práticas na Europa e nos Estados Unidos mostra que o número de pedidos de morte assistida tende a aumentar ano após ano; que em certos países, como a Bélgica, os critérios vão-se expandido para incluir menores e pessoas sem historial clínico registado; e ainda que, em vários locais onde o suicídio assistido é legal, a taxa de suicídio aumentou em vez de regredir.
Holanda, Bélgica e Luxemburgo são os três países da União Europeia onde a eutanásia é legal.
Na Holanda, o primeiro país no mundo a legalizar a eutanásia, a prática era admitida desde 1984, mas foi descriminalizada em 2002, seguindo-se a Bélgica escassas semanas depois.
O centro católico de Bioética de Anscombe, em Inglaterra, dedicou-se a recensear a estatística e investigação académica em torno da eutanásia no mundo para poder informar os projectos políticos para o seu enquadramento legal no Reino Unido. O resultado desta análise foi actualizado em 2015 no documento “Suicídio Assistido e Eutanásia”, que reúne as várias visões, conclusões e resultados de investigações tanto a favor como contra a prática.
Este relatório indica que, na Holanda, as mortes por eutanásia têm vindo a aumentar progressivamente e que existem provas concretas de mortes sem ser por pedido do doente (eutanásia não-voluntária). Em 2013, o número de mortes por eutanásia e suicídio assistido chegou aos 4.829, quase três vezes superior a 2002.
Holanda. “Se nos anos 1990 tivéssemos os cuidados paliativos de hoje, duvido esta lei tivesse sido aceite”
Em 2015, uma associação holandesa de pediatras pediu para que fosse abandonada a idade mínima de 12 anos para a prática da eutanásia, com o argumento de que algumas crianças com doenças terminais são capazes de decidir que querem morrer.
O número de pacientes com doenças mentais a pedir a eutanásia também tem vindo a aumentar. E, ao contrário do que se esperava, não se registou uma queda na taxa de suicídios na Holanda. Em 2013, 1.859 pessoas cometeram suicídio, um recorde no país.
O holandês Theo Boer, apoiante da eutanásia por princípio e antigo membro de uma comissão regional para a avaliação da prática no país, considerou, numa entrevista em 2015 ao site “DutchNews.nl”, que a definição da eutanásia na lei é demasiado abrangente e que os dados actuais são preocupantes. “Se nos anos 1990 já tivéssemos a qualidade dos cuidados paliativos que temos hoje, duvido que esta lei tivesse sido aceite”, afirmou.
A lei e a prática da eutanásia e do suicídio assistido na Holanda já foram criticadas em duas ocasiões pela Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
O protocolo de Groningen estabeleceu recentemente na Holanda que, embora a eutanásia seja definida como a morte a pedido, a lei pode ser extensível a bebés recém-nascidos que manifestem deficiências.
No relatório do centro de Bioética de Anscombe, sublinha-se que, embora a eutanásia e suicídio assistido tenham surgido para assegurar uma morte facilitada, dados de 2000 mostram as complicações que surgiram em 7% dos casos de suicídio assistido - como espasmos, cianose e náuseas. Em 16% dos casos houve necessidade de intervenção médica pelo insucesso da tentativa por parte do paciente.
Bélgica. Eutanásia legal para crianças e com critérios alargados
Depois do alargamento da lei belga a menores em 2014, em Setembro de 2016 morreu a primeira criança no mundo via eutanásia legal. Foi também na Bélgica que morreu, através da eutanásia, uma mulher, de 44 anos que sofria de anorexia nervosa e uma de 64 que padecia de depressão crónica. Os irmãos gémeos Verbessen, de 45 anos, surdos de nascença e em vias de ficarem cegos, viram também aprovado o seu pedido para morrer.
A lei belga não distingue os conceitos de eutanásia e suicídio assistido. Em 2013, registaram-se oficialmente 1.803 casos no país, metade das mortes que ocorrem por esta via. Mas o que é preocupante para os investigadores é que mais de mil doentes morrem por ano via eutanásia sem a terem pedido.
Os casos não reportados, segundo os especialistas de Anscombe, são menos susceptíveis de exigirem declarações por escrito, de envolverem cuidados paliativos e a probabilidade de a eutanásia ser administrada por um enfermeiro é maior – o que está fora do âmbito legal destes profissionais de saúde.
Na Bélgica, apenas 12% dos casos de morte assistida que ocorrem como resultado da prática de sedação profunda (que consiste em colocar o doente em coma induzido até que este acaba por morrer) acontecem a pedido do doente. A justificação dos proponentes desta prática é que, no passado, estes doentes já tinham “implicitamente” expressado a vontade de colocar um termo à vida.
No vizinho Luxemburgo, a eutanásia foi tornada legal em 2009.
Suíça, destino de “suicide tourism”
Na Suíça, o suicídio assistido é uma prática com alguns anos de história. A lei admite a intervenção de terceiros. O aumento do “suicide tourism” (turismo para o suicídio) tem levantado alertas entre a comunidade médica e académica internacional.
Foram criadas a Dignitas e a Exit, organizações que providenciam serviços de apoio ao suicídio assistido mediante pagamento.
A Exit foi fundada em 1982, mas desde então só houve um único relatório governamental sobre a sua actividade, divulgado em 2012 e constituído por dados fornecidos pela própria organização.
Um estudo sistemático de 43 casos consecutivos de suicídio assistido na Suíça de 1992 a 1997 constatou que em 10 casos (23%), o tempo entre o primeiro contacto com a Exit e o suicídio assistido foi inferior a uma semana e em quatro casos (9%) foi menos de um dia. Em 11 casos (26%) não havia nenhuma condição médica séria registada e em cinco casos (12%) o motivo declarado para procurar o suicídio assistido era o luto.
Os autores do estudo, publicado na revista de especialidade “Swiss Medical Weekly”, concluíram que, nos anos 1990, o suicídio assistido foi "realizado por leigos que agem sem controlo externo e violam suas próprias regras".
Um estudo em 2014 descobriu que o suicídio assistido na Suíça estava associado a pessoas que vivem sozinhas e ao divórcio. Era significativamente mais frequente entre as mulheres.
Existe também pesquisa feita na Suíça sobre o impacto negativo nos membros da família que testemunharam o suicídio assistido.
Embora na vizinha Alemanha o enquadramento seja semelhante ao da Suíça, importa salientar que o termo “eutanásia” está intimamente ligado, na memória colectiva alemã, às experiências eugénicas da era nazi, preferindo-se a diferenciação entre o “suicídio assistido” e o “suicídio assistido activo”. O ministro da Saúde alemão, Hermann Gröhe, já declarou que pretende banir organizações como a Dignitas de operar na Alemanha.
América do Norte. Medo da perda de autonomia prevalece sobre a dor
Fora da Europa, o Canadá foi o último país a legalizar a eutanásia, em Junho de 2016. O termo preciso é a “morte medicamente assistida” e a prática é apenas estendida a adultos que padecem de doenças terminais, excluindo a doença mental.
Nos Estados Unidos, a lei mais antiga remonta a 1997, no estado do Oregon, um de cinco estados onde o suicídio assistido é legal. Num sexto estado, o Montana, a legalidade do suicídio assistido é disputada. A eutanásia continua a ser ilegal em todos os estados norte-americanos. O enquadramento da lei do Oregon permite a prescrição de medicação em doses letais a doentes terminais com menos de seis anos de esperança de vida e em plena posse das suas faculdades mentais.
No Oregon, segundo um relatório oficial do estado de 2014, a preocupação mais frequente nas pessoas que pedem o suicídio assistido não é a dor, mas a "perda de autonomia" (91,5%). Apenas 24,7% cita preocupações com a dor. A preocupação de se sentirem um "fardo" para os outros é muito mais significativa do que o medo da dor (que não deve ser confundida com a dor real).
No mesmo relatório lê-se que em apenas 13,9% dos casos o médico prescritor estava presente no momento da morte, que apenas 2,9% foram encaminhados para avaliação psiquiátrica e que em quase 40% dos casos a pessoa era dependente de seguros de saúde estatais.
O Centro de Bioética de Anscombe considerou que a prática no Oregon, estado onde a lei existe há mais tempo, exibe sinais claros de procura por médicos específicos conhecidos por praticarem o suicídio assistido, suspeitas de coerção e ainda a falta de avaliação psiquiátrica suficiente.
Um estudo do investigador Kenneth Stevens mostrou que, no Oregon, de 2001 a 2007, a maioria (61%) das prescrições letais foram receitadas por uma minoria (20 em 109) de médicos. E apenas três médicos foram responsáveis por 23% das prescrições letais (62 em 271).
A legalização da morte assistida normaliza o suicídio?
Há argumentos que dizem que a legalização da morte assistida pode contribuir para a queda na taxa de suicídios. Mas pegando no exemplo do Oregon, entre 1999 (dois anos após a legalização da morte assistida) e 2010, a taxa de suicídios na faixa etária dos 35-64 anos aumentou quase 50%, quando a taxa nacional norte-americana está nos 28%.
Sugerem os investigadores que a legalização destas práticas pode até contribuir para a “normalização” do fenómeno e o seu subsequente aumento.
A oposição à eutanásia no seio da comunidade médica é mais comum entre os clínicos responsáveis por cuidados paliativos, argumentam os bioéticos de Anscombe, e a opinião é geralmente desfavorável entre os membros da profissão.