Responsabilidade, estabilidade, prudência, credibilidade foram, certamente, as palavras mais usadas pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, na apresentação do Orçamento do Estado para 2020. Uma apresentação que foi todo um testamento de Centeno, com recados para dentro do Governo e para a oposição. E para quem lhe suceder, seja quando for.
Ele, Centeno, é, nas suas próprias palavras e atitude, um exemplo para dentro e fora da Europa, pois conseguiu colocar Portugal no caminho da estabilidade e credibilidade que outras economias da zona euro ainda perseguem e agora até conseguiu fazer um orçamento “histórico”, o primeiro com excedente na história da democracia, e ainda por cima feito no “tempo mais curto de tempo”.
Essa rapidez foi um “sinal da importância que o Governo dá a este documento” e prova “o trabalho muito profícuo e muito coeso que existe no Governo”, disse um Centeno claramente satisfeito com o seu excedente orçamental, que “não é um objetivo em si mesmo, mas reflete uma trajetória de responsabilidade que tem transmitido confiança e credibilidade”. Por isso, “Portugal resistiu muito melhor que as economias da zona euro à desaceleração da economia global”.
Estava feito o auto-elogio sobre a sustentabilidade e credibilidade das contas públicas. Mas não chegava. Centeno fez questão de lembrar as imprudências de 2009. “Temos alias um excelente exemplo do risco que se corre com esse tipo de atitudes quando as previsões não são confirmadas. Infelizmente, 2009 é um bom exemplo de como isso acontece. Perante uma expectativa de aceleração do crescimento dos preços, tomaram-se um conjunto de decisões que depois não tiveram tradução nessa evolução, até porque, pelo contrário, em 2009, os preços acabaram por cair.” Não nomeou José Sócrates nem Teixeira dos Santos, responsáveis pelos aumentos da função pública nesse ano, mas também não era preciso, todos sabíamos de quem estava a falar. E lá voltou a repetir a previsibilidade e a responsabilidade como que se um refrão se tratasse.
Responsabilidade para dentro do Governo. “O binómio responsabilidade-autonomia tem de ser sublinhado e levado muito a sério. É hora de todos – de todos – respondermos pelos recursos que são colocados em benefício dos serviços públicos. Os serviços públicos não são um depositário de recursos públicos; os serviços públicos servem para prestar isso mesmo: serviço público. E a responsabilização que se exige a todos aqueles que trabalham no serviço nacional de saúde e em todas as outras áreas dos serviços públicos é responderem pelos recursos crescentes que todos colocamos ao seu dispor nesta fase de desenvolvimento da economia e da sociedade portuguesa.” Ou seja, qual pai que aumenta a mesada: eu abri os cordões à bolsa, vejam lá o que fazem ao dinheiro.
Responsabilidade para a oposição, que, entre outras coisas, quer baixar o IVA da eletricidade, o que pode custar até mil milhões de euros. “Todos aqueles que façam propostas que alterem o equilíbrio orçamental, têm, em nome da transparência, que explicar a todos os portugueses o que farão com todas as outras prioridades ou falta delas que queiram plasmar no documento.”
Responsabilidade e seriedade, que é o que tornam Portugal e Centeno reconhecidos na Europa e no resto do mundo. “As negociações já foram feitas em parte, continuarão seguramente, ao longo de todo o debate e discussão do Orçamento do estado. Sempre foi assim e sempre, felizmente, continuará a ser assim até porque, tenho referido várias vezes que hoje Portugal é um caso apresentado até fora da europa de estabilidade politica, de estabilidade orçamental e de recuperação de um nível de participação que era até há muito pouco tempo, inexistente em Portugal e isso significa que o debate, desde que mantido numa séride e responsabilidade e seriedade que não tem faltado nos últimos anos pode e deve ser mantido.”
Que diferença daquele ministro meio desengonçado, com sorriso tímido, que parecia ser um ótimo técnico, mas um inábil político… Centeno, na apresentação do Orçamento, tomou conta de todo o jogo, nem sequer deu palavra a qualquer dos seus secretários de Estado e ainda se mostrou como um garante da coesão governamental, dizendo que era um “mito” haver divergências orçamentais. “Não consigo entender onde é que têm um eco de batalhas internas. Isso é um mito não existe tal coisa”, garantiu Centeno, que até já adotou o género ralhete aos jornalistas, tão típicos de fins de ciclo.
“Se continuamos a fazer análise política com base em fontes não identificadas, senhores jornalistas, não estão a fazer um bom serviço ao país”, avisou o ministro e presidente do Eurogrupo. Pois bem, aqui fica uma tentativa de análise só com uma fonte e bem identificada: Mário Centeno, ele mesmo, o herói da estabilidade, da responsabilidade, da credibilidade e da coesão.