O Vaticano anunciou esta quinta-feira, ao final da manhã, a abertura dos Arquivos Apostólicos sobre o Pontificado de Pio XII. Os arquivos ficarão disponíveis a partir do dia 2 de março.
Em declarações à “Vatican News”, o cardeal português D. José Tolentino Mendonça explicou que o único critério para a admissão dos estudiosos qualificados aos arquivos será científico, "porque no fundo são materiais que requerem uma competência científica".
“A Igreja não tem medo da história, mas considera a avaliação dos estudiosos com a certeza de que seja compreendida a natureza de sua ação”, afirmou o cardeal D. José Tolentino de Mendonça.
O gesto era esperado há muito pelos estudiosos, mas devido à grande quantidade de documentos foi necessário um lento e delicado trabalho, que envolveu, entre outros, a ordenação cronológica dos documentos, a conferência da correspondência dos documentos com os factos, a reordenação, numeração e inventário de todo o material.
O cardeal português destacou, neste sentido, a importância e a abertura da Igreja ao compartilhar com estudiosos de todo o mundo as informações que dizem respeito ao Pontificado de Pio XII: “Ao colocar à disposição dos estudiosos este “corpus” de documentos, a Igreja segue uma linha de secular compartilhamento com os estudiosos, sem exclusões ideológicas, de fé ou nacionalidade. Todos são bem-vindos”, disse.
“É uma tradição da Igreja, uma tradição secular, a partilha dos documentos administrativos, históricos, da sua vida interna com os estudiosos de todo mundo, exatamente para que a verdade sobre a história e a compreensão profunda da história possa acontecer”, explicou o cardeal.
“O Papa Francisco, quando nos recebeu como Arquivo Apostólico o ano passado, sublinhou esse aspeto de que a Igreja não tem medo da história, pelo contrário, a história é uma aliada da Igreja, porque o cristianismo acontece no interior da história, com a sua dramaticidade, as suas interrogações, mas também as suas oportunidades”
Segundo D. Tolentino, “o que poderá ser consultado são os arquivos dessas principais instituições da Santa Sé, a começar pelo Arquivo Central, o Arquivo Apostólico Vaticano, e a ela terão acesso, sem qualquer restrição de religião, de proveniência, de ideologia, isto é, de uma total abertura, os estudiosos qualificados, porque no fundo são materiais que requerem uma competência científica, um saber para poderem ler aqueles documentos e enquadrá-los devidamente.”
“Mas os requisitos científicos são, digamos, o único critério para a admissão dos estudiosos de todo mundo para consultar os nossos arquivos.”
Mas a abertura do Vaticano vai ainda mais longe. “Não é somente ao Arquivo Central que os estudiosos terão acesso. Também serão abertos a partir do dia 2 de março os arquivos de outros órgãos que preservam registros históricos importantes, como da I e II Seção da Secretaria de Estado, da Congregação da Doutrina da Fé, da Congregação da Evangelização dos Povos – Propaganda Fide, da Congregação das Igrejas Orientais, da Penitenciaria Apostólica e da Fábrica de São Pedro.”
Os documentos relativos a Pio XII são particularmente importantes porque abrangem toda a atividade do Vaticano antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Há historiadores que alegam que a Santa Sé não fez o suficiente para se opor a Hitler e ao holocausto, ou Shoah. Os responsáveis dos arquivos, porém, estão certos de que os documentos comprovarão esforço de Pio XII em salvar os judeus naquele período.
Segundo explicou ao Vatican News o Prefeito do Arquivo Apostólico Vaticano, o bispo Sergio Pagano, os estudiosos encontrarão os documentos e poderão consultá-los via “intranet”, ou seja, via web nas salas do Arquivo Apostólico Vaticano.
Um rio de caridade
A espera de 14-15 anos para a abertura dos arquivos é compreensível, diz, “pois o Pontificado do Papa Pacelli foi importantíssimo e crucial. Coloca-se em um momento da história infelizmente devastado e ensanguentado pela II Guerra Mundial, e também por tudo o que aconteceu logo após o final do conflito”, observa.
Nos acervos relativos a Pio XII – acrescenta Segio Pagano – “existem importantes documentos sobre as relações da Santa Sé com os regimes totalitaristas, sobre acordos com várias nações. Poderá ser compreendida melhor a posição do Papa e da Santa Sé com relação a certas políticas religiosas, ao comunismo e aos absolutismos. Assim como poderá ser conhecida a grandiosa obra do Papa Pio XII no que se refere à caridade. Muitos documentos comprovarão o seu empenho em salvar os judeus durante a Shoah”.
“Posso testemunhar, tendo eu mesmo organizado o fundo da Beneficência que conta com mais de oito mil pastas dentro das quais estão documentadas milhares e milhares de práticas de caridade. É impressionante a quantidade de ofertas que o Papa Pio XII recebia de fiéis católicos de todo o mundo, principalmente dos Estados Unidos, e praticamente no mesmo dia as distribuía pelos que necessitavam, tanto privados, quanto paróquias, orfanatos, hospitais, mas também universidade e institutos de pesquisa.”
“Um verdadeiro rio de dinheiro que se tornava o rio da sua caridade. Praticamente todos que pediam ajuda à Santa Sé conseguiam obtê-la e temos o testemunho dessa enorme obra de caridade neste fundo de beneficência e no fundo da Comissão de Socorro."
O bispo garante que são muitos os testemunhos desta assistência. Não obstante as vozes dissonantes, os documentos poderão lançar novas luzes, por exemplo, sobre o chamado problema dos silêncios de Pio XII.
“Conhecemos a história deste povo perseguido e do Holocausto e, portanto, compreendemos muito bem que os judeus esperem muito destes documentos que agora são acessíveis. Na minha opinião, o importante é que o estudo destes documentos, como dos outros, seja feito de maneira imparcial, objetiva, científica e histórica. Depois, naturalmente cada terá a sua própria opinião”, conclui.