A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) manifesta repúdio ao manifesto pela despenalização da morte assistida e defende, em contrapartida, a prestação de cuidados paliativos, lembrando que são mais de 80 mil doentes que não conseguem aceder a este tipo de apoio clínico.
A Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, de 2012, previa o apoio a estes doentes, mas ainda não foi aplicada na prática.
“Só cerca de sete a oito mil doentes são cuidados nas equipas de cuidados paliativos e há zonas do país onde estes doentes não têm acesso. Não havendo acesso, é natural que o doente - mais do que pedir que o matem - pede que o deixem morrer”, aponta Manuel Capelas, presidente da APCP.
Outra questão diz respeito ao papel dos profissionais que estão a acompanhar estes doentes, pois se lhes indicarem, em tempo útil, o caminho dos cuidados paliativos como a melhor resposta para a sua situação. Sabe-se que a grande maioria dos doentes “não está referenciada, porque se nota uma prática de obstinação e futilidade terapêutica por desconhecimento dos próprios profissionais”, critica a associação.
Os doentes, quando acedem aos serviços de cuidados paliativos, mesmo tendo manifestado antecipadamente algum desejo de acabar com a sua vida, acabam por renegar esse desejo e continuar a viver com as limitações que têm.
“A questão fulcral de todo o processo é que os doentes percebem que estão numa fase final da vida, mantida artificialmente através de tentativas de recuperação, e ficam saturados”.
Quando percebem que estão a caminhar para o final da vida, ”gostariam de o passar de uma forma mais descansada, junto dos seus - embora com os seus problemas, devidamente controlados”, considera Manuel Capelas.
Há doentes terminais com 15 dias de vida a quem não é dada a possibilidade de receber cuidados paliativos e terminar os seus dias de outra forma que não a do prolongamento dessa mesma vida através da medicina, com todo o sofrimento que isso pode implicar.
Falta promover o debate público
A APCP lembra relatórios de há três anos, da Entidade Reguladora da Saúde e do Observatório dos Sistemas de Saúde, para dizer que não entende a posição assumida por altos quadros do sector da saúde, que assinaram o manifesto “Morrer com Dignidade”, divulgado há uma semana pelo semanário “Expresso”.
O documento em causa indicava que 90% dos doentes que necessitavam de cuidados paliativos não tinham acesso a estes cuidados e mais de 50% morriam à espera deles e que era importante alterar essa situação. “Nunca se ouviu uma tomada de posição pública do Director Geral de Saúde ou da Bastonária da Ordem dos Enfermeiros - a que pertenço - que dissesse que era importante resolver o problema destes doentes”, critica.
As críticas de Manuel Capelas vão também para a classe política. “Falta promover o debate público numa matéria onde parece existir uma alegada pressa em legislar.”
“Não vi em nenhum programa eleitoral de nenhum partido a discussão deste problema. Apesar de a Assembleia da República ser mandatada pelos cidadãos, não me parece que seja correto que seja ela a decidir isto, quando não pôs previamente esta questão a nenhum cidadão.”
O que a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos defende é um debate claro, com zelo e rigor, que elucide as pessoas, mesmo que nunca a questão venha a ser objecto de um referendo.