“Está provada a desigualdade” feminina em Portugal, diz secretária de Estado
26-08-2021 - 10:48
 • Marta Grosso , Anabela Góis (entrevista)

Assinala-se hoje o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Rosa Monteiro aceitou retirar um momento às suas férias para falar sobre o tema na Renascença.

Salários diferentes para cargos iguais desempenhados por homens e mulheres ainda é uma realidade em Portugal. As diferenças podem ultrapassar os 400 euros, dependendo da função.

A secretária de Estado pela Igualdade e Cidadania revela os números, dados pelas próprias empresas, e avança o que o Governo tem na manga. Por exemplo, a introdução de uma norma islandesa.

Nesta entrevista, Rosa Monteiro, que se encontra de férias, diz ainda porque considera que a pandemia afetou mais mulheres do que homens e recorda Maria de Lurdes Pintassilgo como uma mulher política a quem “nunca foi feita a devida justiça”. Diz ainda que espera ver uma mulher à frente do PS.


Neste Dia Internacional da Igualdade Feminina, em que se comemoram as conquistas das mulheres na sociedade ao longo da história, as mulheres continuam a ganhar menos que os homens em Portugal?

Na base, para nos referirmos àquilo que é a média, são 150 euros menos mensalmente. Penso que é muito significativo. Quando falamos, por exemplo, de mulheres com o ensino superior, este valor ascende aos 494 euros. Isto são os últimos dados do balanço feito pelo Ministério do Trabalho.

Penso que está provada a desigualdade. Evidentemente, muitas vezes isto não é percebido no nosso dia-a-dia, à nossa volta; não temos a perceção destes níveis de desigualdade, mas de facto eles existem e por isso é que desenvolvemos políticas e é cada vez mais importante também o impacto público e mediático que estes temas e estes problemas têm, porque só assim também os conseguimos fazer reconhecer e mudar.

Há mais de 30 anos que temos mais mulheres licenciadas do que homens, mais mulheres a fazer doutoramentos, como explica essa diferença de salários?

Tem a ver com as partes variáveis dos salários. Quando somamos tudo ao final do ano, chegamos a estes valores. Estes valores, de resto, resultam da análise que é feita dos relatórios que todas as empresas, entidades empregadoras entregam – o 'relatório único', que antes se chamava 'balanço social'.

São dados muito objetivos e decorrem de vários fatores, desde o facto de as mulheres estarem em profissões e em setores que são menos valorizados em termos remuneratórios, mas também em fatores e fenómenos de discriminação direta.

Não há muito tempo, tínhamos o caso de um acordo de setor que estabelecia, para o mesmo conteúdo funcional, duas categorias profissionais diferentes – era o setor da cortiça – e, portanto, duas categorias remuneratórias diferentes. A diferença era de 100 euros.

O que está a ser feito para mudar isso?

A CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego] faz a revisão de cláusulas contratuais nos acordos coletivos, nos instrumentos de regulação coletiva do trabalho para atacar esta questão de forma muito direta.

Temos também uma nova lei e as empresas passaram a ter informação anual, a partir do momento em que entregam estes relatórios únicos, acerca do seu nível de desigualdade remuneratória e depois têm um período, sendo notificadas pela ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho] para analisar donde vem esta desigualdade, que componente é discriminatória e poderem reparar o problema.

Estamos a traduzir e a adaptar ao nosso país uma norma islandesa, que é um normativo de autoregulação, que permite às empresas, aplicando os seus instrumentos de análise, 'check list', verificação, perceberem se estão a prejudicar em termos salariais e remuneratórios – porque não é apenas o salário base; muitas vezes, encontramos esta desigualdade naquilo que se designa o ganho.

Essa disparidade continua a existir no Governo e no Parlamento. Recentemente, foi notícia o facto de ser uma mulher, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, a presidir ao Governo. Incomoda-a mais o facto de isto ser notícia ou de acontecer tão poucas vezes?

Acontecer muito poucas vezes. No nosso país, tivemos uma primeira-ministra notável, uma mulher, aliás, à qual nunca foi feita a devida justiça pelo enormíssimo contributo que deu ao nosso país, que foi a Maria de Lurdes Pintassilgo, a quem muito devemos.

Evidentemente, no nosso panorama político ainda são poucas as referências de mulheres ao mais alto nível e que sejam – inclusivamente, a Maria de Lurdes Pintassilgo – candidatas.

O nosso país tem evoluído bastante à custa das leis de ação positiva, as chamadas leis de paridade, temos evoluído bastante e este ano é bastante decisivo. Espero ver o nosso panorama autárquico mais reforçado com mulheres.

Também gostava de ver uma mulher à frente do Partido Socialista?

Claro que sim, esse momento vai chegar. Essa é a evolução que temos feito e que o Partido Socialista tem feito. Foi o primeiro partido em Portugal a ter quotas internas e faz todo o sentido e a nossa expectativa é que isso aconteça.

Porque afirma que a pandemia afetou mais as mulheres do que os homens?

Nós começámos a perceber, desde março de 2020, que as mulheres estavam em particular risco. Desde logo, a questão da violência e montámos logo um dispositivo em termos de campanha, de alerta e de intervenção concreta, de resposta reforçando todas as respostas, porque o isolamento proporcionaria também maior isolamento das mulheres e, portanto, maiores riscos pela convivência com os agressores.

Esse alerta resultou e tivemos uma resposta que foi capaz àquilo que foram as necessidades neste contexto tão perturbador na vida de todas as pessoas.

Depois, percebemos também que, no contexto das medidas de confinamento e das medidas de contingência que tiveram de ser tomadas em termos sanitários para proteger a saúde de todas as pessoas, as mulheres estavam mais expostas a um acumular de tarefas que já fazem no seu dia-a-dia e porque a casa se transformou, de repente, em escola, em cantina e em local de trabalho.



Todas estas linhas – para usar a expressão do nosso 'Três em Linha' – se misturam e nós temos indicadores muito claros deste impacto, desde logo o indicador que nos diz que, em 2020, 80% das pessoas que recorreram ao Apoio Especial à Família – portanto, que tiveram de abdicar do seu trabalho para ficar em casa a acompanhar as suas crianças na escola – foram mulheres, com perda remuneratória, porque era pago a 66%.

Ora, em 2021, em janeiro, introduziu-se uma melhoria nessa medida precisamente para reparar este problema e este desequilíbrio, que vem daquilo que são as práticas desigualitárias e assimétricas do trabalho doméstico.




O Dia Internacional da Igualdade Feminina é assinalado todos os anos em 26 de agosto, em alusão à ratificação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, em França.

A data pretende recordar as conquistas das mulheres na sociedade ao longo da história, na luta por condições de igualdade entre géneros.