As mais recentes descobertas no sítio do Fariseu, no Parque Arqueológico do Vale do Côa, intrigam os arqueólogos, devido a uma gravura que representa uma cerva, gravada com uma técnica diferente da “Arte do Côa”.
“A figura que representa uma cerva encontra-se, junto de outros traços incisos, distribuída por dois fragmentos que terão caído de um painel entretanto destruído. Para já, é com alguma segurança que podemos dizer que estas duas gravuras terão sido gravadas há mais de 14.000 anos, mas há algo que nos intriga”, explicou à Lusa o diretor científico da Fundação Côa Parque, Thierry Aubry.
O arqueólogo disse que o achado destes dois fragmentos de rocha numa camada arqueológica vai permitir estabelecer uma data mínima para a sua realização, logo que cheguem os resultados das datações de “luminescência”, que estão a cargo de um laboratório na Dinamarca.
“Encontrámos um fragmento de painel que foi gravado que nada tem a ver com chamada arte móvel, mas antes parte de um painel que foi gravado, que se desprendeu e foi encontrado numa camada arqueológica. Agora só nos resta esperar pelos resultados da análise para sabermos com precisão a sua datação exata. A arte móvel é uma referência estilística e, neste caso, vamos ter uma datação mínima para outra gravura nunca antes encontrada”, indicou o especialista em arte rupestre.
Thierry Aubry frisou que esta “peça” não está relacionada com um painel descoberto em 2020, constituído por picotado, enquanto neste caso é uma gravação por incisão de traço fino e gravura mais elaborada e pormenorizada.
Após escavações que decorreram em maio de 2021 junto à chamada 'rocha 09' do Fariseu, que representa um dos principais núcleos de arte rupestre do Vale do Côa, classificados como Monumento Nacional e inscritos na Lista do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), foram encontrados 25 fragmentos de rocha com técnicas diferentes de gravação (picotagem e incisão).
“Estamos a falar de uma gravura com um traço muito fino que não se conhece o equivalente na arte do vale do Côa. Agora tenho fazer um registo comparativo para obter uma datação deste novo estilo de gravação, no contexto do Parque Arqueológico do Vale do Côa, onde há mais gravuras de cervas, mas não com esta técnica tão apurada, o que nos está a deixar intrigados”, vincou o arqueólogo.
Os arqueólogos sempre acreditaram no potencial rupestre da designada 'rocha 09' do parque, que fica a cerca de 50 metros do rio Côa.
Para o arqueólogo André Santos, a importância deste achado deve-se ao seu aparecimento numa camada arqueológica que tem de ser datada e outras semelhantes encontradas no Vale do Côa.
“Isto é importante para datarmos um tipo de gravuras que temos no Vale do Côa que, até ao momento, não está bem datada cientificamente. Para já a única certeza que temos é que a gravura é anterior a 14.000 anos, já que a arte aplicada após esta data se torna diferente”, observou.
Por seu lado, a geóloga Sílvia Aires avançou que a formação destas rochas está inserida no complexo “Xisto-Grauváquico” do grupo Douro, que são pouco deformadas e de baixo grau de metamorfismo (rochas que resultam da transformação da rocha original).
“O que nos interessa agora perceber é a formação das películas que a superfície da rocha tem. O importante é saber se essas películas foram criadas de forma natural, antes ou depois de serem feitos os traços. Em alguns casos, já verificámos que os traços foram feitos depois da formação das películas porque os traços das gravuras são mais claros”, disse a geóloga.
Para a presidente da Fundação Côa Parque, Aida Carvalho, as gravuras do Côa têm uma imagem muito forte no segmento do turismo cultural e científico e esta descoberta vem reforçar esse posicionamento.
“As gravuras do Côa são um importante recurso de atração turística ao território. Quem visita o museu questiona com frequência o conjunto de procedimentos e técnicas de datação das gravuras e esta figura poderá responder, em parte, a essa grande questão”, vincou a responsável pela fundação.
Aida Carvalho disse ainda que os arqueólogos e outros especialistas estão a trabalhar para incluir estes dois fragmentos na exposição permanente do Museu do Côa numa sala destinada ao tópico das datações, enriquecendo a experiência da visita.
A “Arte do Côa” foi classificada como Monumento Nacional em 1997 e como Património da Humanidade, pela UNESCO, um ano depois.
Como uma imensa galeria ao ar livre, o Vale do Côa apresenta mais de 1.200 rochas, distribuídas por 20 mil hectares de terreno com manifestações rupestres, sendo predominantes as gravuras paleolíticas, executadas há mais de 25.000 anos, e distribuídas por quatro concelhos: Vila Nova de Foz Côa, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Meda.