"A vida deu e dá razão ao PCP". Assim começa o capítulo 3 do projeto de resolução da Conferência Nacional que o PCP vai realizar em novembro, no Seixal. O documento, a que a Renascença teve acesso, não retira uma vírgula ao que têm sido as posições do partido sobre as polémicas dos últimos meses.
Os comunistas mantêm a "sua avaliação da situação nacional e internacional" e as "soluções e respostas necessárias para garantir a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo". Ou seja, a posição sobre o Orçamento do Estado para 2022 é igual à de outubro passado, como igual é a posição sobre a guerra na Ucrânia.
Então, para que serve a Conferência Nacional? Ora, sobre a sucessão de Jerónimo de Sousa na liderança do partido não há uma única linha no projeto de resolução. De resto, o próprio secretário-geral comunista, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal "Público", atira que reduzir o evento do Seixal "a essa questão não é uma visão correta daquilo que se pretende".
Em boa verdade, não é nada que não possa ser resolvido ou definido numa eventual reunião do Comité Central que venha a ser convocada nos dias anteriores à Conferência Nacional. Mas, para já, Jerónimo de Sousa vai insistindo que a sua sucessão "um dia será", embora assuma que 18 anos de liderança "foi uma vida".
O auto-isolamento do PCP
O projeto de resolução da Conferência Nacional ignora, olimpicamente, o Bloco de Esquerda, o PAN e o Livre - todos eles partidos com representação parlamentar. Os comunistas preferem distinguir o seu próprio mundo de "política alternativa" e confrontá-lo com a política "de direita decorrente da ação do Governo PS e das forças e projetos reacionários".
Neste último pacote os comunistas incluem o PSD, o CDS, o Chega e a Iniciativa Liberal que, "com agendas de natureza retrógrada, demagógica, neoliberal e fascizante, constituem uma ameaça aos direitos dos trabalhadores e do povo e ao futuro do País".
O PCP considera que "o PS e estas forças empolam e encenam uma oposição entre si quando, na verdade, desenvolvem em aspectos essenciais uma ação que é objetivamente convergente na defesa dos interesses do grande capital". É tudo metido no mesmo saco e é aqui que entra a necessidade da "política alternativa" dos comunistas.
É tido como urgente promover "o aumento dos salários e das pensões", a valorização e o reforço "dos direitos dos trabalhadores, as funções sociais do Estado e os serviços públicos, apoie a produção nacional, assegure o controlo público de empresas e setores estratégicos, garanta a justiça fiscal", lê-se na resolução da Conferência.
Licença para mexer nas estruturas locais
Os recados para dentro do partido, apelando à necessidade de mudar a atitude das organizações locais e a relação com a população em geral, constituem uma parte de leão do projeto de resolução divulgado esta quinta-feira pelo jornal “Avante!” e a que a Renascença, entretanto, teve acesso.
Logo à cabeça é reconhecido que "a organização do Partido é o instrumento fundamental de ligação aos trabalhadores e às populações". É essa cola que o documento alerta que é preciso intensificar.
"É dessa ligação às massas, do conhecimento da realidade e dos problemas que enfrentam e da capacidade de sobre eles intervir que depende a influência política, social, ideológica e eleitoral do Partido", lê-se no documento. Ou seja, quem não aparece, esquece.
A direção comunista quer "uma organização forte, atuante, com iniciativa", só assim "é determinante para reforçar essa influência". É aqui que entra o aviso - recorrente, diga-se - sobre a necessidade de "reforçar o Partido com a responsabilização e formação de novos quadros".
Jerónimo de Sousa garante, na entrevista ao programa Hora da Verdade, que este ano entraram no partido dois mil novos militantes. Mas, questionado sobre quantos saíram, o líder comunista fecha-se em copas, garantindo que "não saíram tantos quanto pensa" e que o número está abaixo dos dois mil que entraram.
Os comunistas querem agora recrutar mais mil militantes "até final de 2024" - depois de em anos recentes terem falado num aumento para cinco mil - "com destaque para operários e outros trabalhadores, jovens e mulheres".
De forma implícita o PCP propõe também mexidas na organização do partido. "É necessário avançar de forma decidida para a estruturação, capacidade de direção e intervenção das organizações locais".
Isto implica mexer nas pessoas, apostando na juventude e em novos militantes - "progredir na responsabilização de quadros, no rejuvenescimento dos núcleos ativos e de direção" - e implica fazer diferente.
A resolução da Conferência Nacional fala mesmo na necessidade de "melhorar o estilo de trabalho e intervenção visando o conhecimento e a acção sobre a realidade envolvente".
Logo nos primeiros meses após a posição do partido sobre a guerra na Ucrânia, os dirigentes comunistas perceberam que os "amigos" do partido - independentes, simpatizantes, não militantes - mostravam sérias reservas sobre esse posicionamento.
É esta "realidade envolvente" em cada estrutura que é preciso acolher, cativar e dar resposta. Ou nas palavras da direção comunista, é preciso "aprofundar a relação regular com muitos homens e mulheres que convergem com o PCP".
O braço comunista tem de ir desde as "organizações locais" até aos que "intervêm nas autarquias, coletividades, associações ou movimentos". É um pedido óbvio de mobilização total e recuperação da base eleitoral que se foi perdendo.
Quotas em dia, por favor
É outro clássico. Os comunistas vão para esta Conferência Nacional a pedir aos militantes que garantam a "independência financeira" do partido, considerada "indispensável para "a sua independência política e ideológica".
Passada que está mais uma Festa do Avante! - em que as contas finais ficam sempre sob reserva da direção comunista - fica o aviso que "a quotização de cada militante é a principal garantia de um financiamento regular e estável do Partido".
Mais quotas pagas significa mais dinheiro em caixa, mais "camaradas" para recolha, mais "pagamento por débito direto", mais controlo de execução pelos organismos a todos os níveis. Mais tudo, para render mais.
"Cada organização, a partir da sua própria realidade, deve prosseguir esse esforço, aumentando a sua capacidade financeira própria e a de todo o Partido", lê-se quase no final da resolução.
Fechado este pedido financeiro, o documento acaba com um parágrafo contra o inimigo número um: "o capitalismo é exploração, opressão, guerra, fome, miséria, corrupção, degradação ambiental".
Tudo resumido: em novembro, logo se vê.