Sobrinho Simões. "Há muitos cancros que deveriam ser deixados em paz"
04-02-2019 - 08:00
 • André Rodrigues

Diretor do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto fala de um "excesso de intervencionismo da medicina" no tratamento do cancro, sobretudo em idades mais avançadas.

O investigador Manuel Sobrinho Simões considera que "há muitos cancros que deveriam ser deixados em paz". É com este argumento que o patologista que dirige o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP ) critica "o excesso de intervencionismo da medicina" no tratamento do cancro, sobretudo em idades mais avançadas.

Em declarações à Renascença, Sobrinho Simões, considerado, em 2015, o patologista mais influente do mundo, pela revista "The Pathologist", defende que, "embora pareça paradoxal, temos assistido a um aumento da incidência do cancro, a par com o aumento da idade da população, mas com uma reduzidíssima taxa de mortalidade entre as pessoas com 70, 80 e mais anos, porque os cancros, simplesmente, não evoluem na esmagadora maioria dos casos".

"O que está errado não é o sobre diagnóstico. É o sobre tratamento"

Sobrinho Simões rejeita a ideia de que haja um excesso de diagnóstico de cancros. "O que há, e está errado, é um sobretratamento mutilante por excesso", defende, o diretor do IPATIMUP, dividindo responsabilidades entre os doentes - pelo facto de colocarem "uma pressão imensa sobre os médicos" . e os próprios clínicos - pelo facto de, "na dúvida, tenderem a fazer tratamentos invasivos desnecessários ou exames mais regulares para verificar se a doença vai ou não evoluir".

Esta é, na perspetiva de Sobrinho Simões, uma tendência "mais comercial", transversal a todo o sistema de saúde português.

"É horrível pensar que os hospitais percebam que, se aumentarem muito o número de consultas, isto permite-lhes aumentar o orçamento. É um círculo vicioso, porque estamos a pagar os atos médicos em vez de pagar a saúde", argumenta o diretor do IPATIMUP.

Medo do cancro "por razões emocionais e iliteracia"

De acordo com o Observatório Global do Cancro, em 2018 morreram, em média, 79 portugueses por dia, vítimas de doença oncológica. Pelo menos, um em cada três cancros pode ser evitado através da redução dos comportamentos de risco.

"É a doença do nosso estilo de vida", assinala Sobrinho Simões que estima que, "daqui por uns anos, todos os portugueses terão, pelo menos, um cancro ao longo da vida".

A boa notícia, diz o investigador, é que, pelo menos, "60% dos portugueses com cancro já não morrem com a doença".

No entanto, Sobrinho Simões admite que há "razões, sobretudo emocionais e de iliteracia", que levam a que os portugueses continuem a sentir pavor do cancro, "por terem a noção de que é uma doença mortal, acompanhada de grande sofrimento".

"Nós não temos mais cancro do que os países europeus parecidos com o nosso e os resultados que nós temos no tratamento dos doentes comparam favoravelmente com os países que servem de referência para Portugal", remata Sobrinho Simões.