De que forma a invasão Russa da Ucrânia abalou a segurança europeia e a estratégia da NATO? Qual deverá ser o novo conceito estratégico e de financiamento? Como deve a Aliança enfrentar a crescente influência da China? Estas são algumas das questões que vão estar em discussão durante os próximos três dias na capital espanhola na Cimeira da NATO.
Uma coisa parece óbvia: A NATO vai rever o Conceito Estratégico e nele a Rússia terá um papel bem diferente.
“Em 2010, a NATO procurava estabelecer uma relação com a Rússia de cooperação e parceira no rescaldo do que tinha acontecido em 2008 na Geórgia, nessa altura procurou-se fazer um ‘reboot’. Nesse enquadramento, o presidente Medvedev esteve na cimeira da NATO e a Rússia na altura tinha um estatuto de parceria estratégica. Ora nada disso acontece agora e a Rússia passou a ser uma ameaça e nesta altura não se prevê qualquer relação de parceira”, explica à Renascença o Major General Carlos Branco.
Quanto à China, outro tema certamente abordado na reunião, “não será tida como ameaça, mas competidor estratégico a seguir com muita atenção”.
Também o Major General Raul Cunha vê como facto de maior importância neste encontro a atualização do Conceito Estratégico e não tem dúvidas que do encontro sairá “um aumento da postura militar, com a Aliança a dar a imagem de que está pronta e enfrenta qualquer ameaça. Terá uma postura mais ativa, fará mais exercícios e vai alinhar numa maior colocação de forças nas fronteiras junto dos países hostis, com colocação de forças de forma mais evidente”.
Contributo financeiro dos membros
Um dos documentos que se espera que seja também aprovado neste encontro é o da sustentabilidade financeira da NATO e da partilha de custos entre os membros. A meta em vigor é a de 2% do PIB para despesas militares até 2024.
“Continuará a pressão sobre os países da NATO para aumentarem despesas em matéria de segurança”, afirma o Major General Carlos Branco que acredita que o documento que será aprovado deverá seguir esta orientação de aumento da contribuição de todos os Estados Membros da Aliança, arriscando mesmo dizer que o contributo deverá passar de 2% para 2,5% do PIB.
A NATO, essa, diz “está a pensar num novo modelo de força, tem a ver com algo que se chama de dissuasão e defesa da região euro atlântica, estimam-se alterações significativas as NRF, as chamadas NATO Response Forces que em princípio darão lugar a um novo formato ARF, as Allies Response Forces”, acrescentando que não é só uma questão de nomenclatura, mas uma diferença de conceito.
Estados em incumprimento
Em 2019 não chegavam a uma dezena os Estados-membros da NATO que contribuíam com 2% do PIB para despesa militar e de segurança. Perante a crise que se está a instalar por causa da guerra na Ucrânia aumentam as dúvidas sobre a capacidade financeira dos aliados.
“A probabilidade de não ser cumprida existe e não é tão pequena como isso, tendo em conta que a situação económica na europa não está fácil e vai deteriorar-se com esta guerra (resultado das sanções que estão a ter efeito boomerang dramático e estamos só no início), a pressão existe. Se vai haver cumprimento? naturalmente de alguns Estados com menores recursos haverá resistência, mas mais tarde ou mais cedo vão ter de se chegar à frente não apenas nos 2% mas em mais alguma coisa”.
Carlos Branco, que já exerceu funções na NATO, considera que a organização precisa de investimento e vai deparar-se em breve com uma opinião pública controversa. “Isto vai ser complicado porque as opiniões públicas vão estar pressionadas pela deterioração da qualidade de vida, do custo dos bens de primeira necessidade, vão reagir de uma forma que se estima negativa. Agora é preciso ter em conta que com o aumento do esforço a nível militar e da ameaça que se coloca às fronteiras da NATO a Leste, esta terá de reagir e tomar medidas mais assertivas em matéria de dissuasão e isso custa dinheiro!”
Raul Cunha tem também sérias dúvidas sobre o cumprimento financeiro no sector da Defesa por parte do nosso país. “É óbvio que as sanções estão a ter impacto nos países e não sei se nesta altura será possível desviar verbas para a parte militar quando vai ser necessário seguramente também acudir a necessidades, por exemplo, no âmbito da energia, é preciso dosear com muito cuidado”, conclui.
Indústria militar americana deve sair beneficiada
Neste encontro deverá ser abordada a necessidade de mais meios humanos dedicados às missões da Aliança Atlântica, mas também de investimento tecnológico, investigação e desenvolvimento na base industrial de segurança e defesa.
“Este último é um problema para a Europa difícil de resolver porque a base industrial em matéria de defesa é frágil e a tentação será adquirir material norte-americano. Alguns países já deram fortes indicações nesse sentido, a Alemanha já disse que vai aumentar o orçamento da Defesa mas vai adquirir aviões F35 (americanos), há outros países europeus que tencionam fazer o mesmo e comprar também helicópteros norte americanos, os Sinuk. Deverá ser desta forma que o equipamento necessário para os novos desafios vai ser adquirido”.
O Major General Raul Cunha por seu lado sublinha que “uma das coisas que fica clara neste conflito é que a Rússia é uma ameaça que tem meios que os países da aliança ainda não têm e vai, por isso, ser importante reforçar tecnologicamente os componentes da Aliança”, explicando que “a Rússia tem, por exemplo, misseis hipersónicos, e nós, mesmo em relação aos convencionais estamos atrasados; usa drones de forma exponencialmente, tem capacidades de artilharia e engenharia superiores às nossas e há melhoramentos que têm de ser feitos”.
O antigo conselheiro da NATO, fala do caso português, “a grande contribuição que damos à Aliança é de extrema qualidade do nosso pessoal, mais que isso precisamos que nos ajudem a melhorar a parte material onde temos nítidas insuficiências, precisamos melhorar a artilharia, ter aparelhos não tripulados, melhorar a Força Aérea. Temos uma grande responsabilidade na vigilância marítima e os meios da Marinha Portuguesa têm de ser melhorados. Há muita despesa em termos materiais para fazer”.
Adesão da Finlândia e da Suécia
A Organização Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tem nesta altura 30 Estados-membros. O mais recente é a Macedónia do Norte, que entrou em 2020. Os mais recentes aspirantes a membros são agora a Finlândia e a Suécia. O major general Carlos Branco avança que não deverá já ser dada luz verde, mas haverá avanços.
“Relativamente à Turquia e ao bloqueio que tem vindo a colocar relativamente à admissão da Finlândia e da Suécia, penso que esse assunto será resolvido. A cimeira será um sucesso e a Turquia em última análise conseguirá aquilo que pretende: reingressar no programa do F35 e conseguir que os Estados Unidos lhes vendam e coloquem no seu território baterias patriot”.
Acredita que “os entraves irão ser ultrapassados e isso é que é importante”.