No Reino Unido, a mesma maioria conservadora vai no terceiro primeiro-ministro. A saída de Boris Johnson foi dura e tempestuosa. Durante longos, meses o chefe do Governo britânico arrastou-se entre casos e inquéritos. E acabou por sair. A sua substituta durou pouco no cargo e foi rendida pelo atual primeiro-ministro. Tudo resolvido, sem eleições antecipadas.
Claro que a Grã-Bretanha é uma monarquia e tem um regime constitucional diferente do português, designadamente quanto ao poder de convocar eleições gerais.
Não é esta, porém, a nossa tradição constitucional. Haja ou não maiorias parlamentares em efetividade de funções, tudo depende do juízo de cada Presidente da República. E da interpretação que cada Presidente faça do quadro político no momento de cada crise, à luz da Constituição.
No seu primeiro mandato presidencial, e na primeira legislatura pós-25 de Abril, Ramalho Eanes aceitou que após o derrube do governo minoritário de Mário Soares se formasse uma coligação PS/CDS. E quando essa coligação ruiu, Eanes optou por formar governos de iniciativa presidencial, sem recorrer a novas eleições. Não tendo sucesso com Nobre da Costa, insistiu – e conseguiu - com Mota Pinto e acabou a legislatura a empossar Maria de Lurdes Pintasilgo, como chefe do Governo, durantes escassos meses e apenas para preparar as eleições legislativas que a Aliança Democrática, liderada por Sá Carneiro, venceria com maioria absoluta.
Por outro lado, com a morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, o Presidente Eanes não tirou o tapete à maioria parlamentar e nomeou Francisco Pinto Balsemão, como primeiro-ministro.
Já com Mário Soares em Belém, a queda do primeiro governo minoritário de Cavaco Silva levou à dissolução parlamentar, contra a vontade do PS. E dessas eleições resultou a primeira maioria absoluta de um só partido, o PSD.
O Presidente Jorge Sampaio aceitou a substituição de Durão Barroso na chefia do Governo (de saída para a comissão europeia), mas em poucos meses dissolveu o parlamento em colisão política com o novo primeiro-ministro Santana Lopes que em todo o caso dispunha de uma maioria absoluta no parlamento.
Em Portugal, nas circunstâncias que agora vivemos com a demissão de António Costa, manda o Presidente da República e o seu critério – político e pessoal. Alguns Presidentes tendem a apoiar-se em casos precedentes, outros procuram inovar. E outros ainda, fazem um pouco das duas coisas.
Se António Costa fosse primeiro-ministro inglês (ou mesmo francês, cujo regime constitucional também é diferente do nosso) e se demitisse nas condições em que se demitiu, é provável que o seu partido continuasse a governar, mas indicando um novo chefe de Governo.
Há mesmo quem defenda que a situação social e económica de Portugal, conjugada com a instabilidade internacional a todos os níveis recomendaria uma solução prudente, não vá o recurso a eleições, numa fase tão emocional, tornar o país mais ingovernável do que agora.
Em Portugal, no entanto, há uma maior "fulanização" da política. Na posse do atual Governo, Marcelo Rebelo de Sousa avisou e de modo claro. A maioria absoluta alcançada pelo PS devia-se em muito a este primeiro-ministro. Por isso, se ao longo do mandato António Costa quisesse sair de São Bento para Bruxelas, seria necessário voltar às urnas.
Refém das suas próprias palavras, não parece restar ao Presidente Marcelo outra alternativa que não seja a dissolução parlamentar e a consequente convocação de eleições antecipadas.
Em abono de tal decisão, pode ainda o Presidente da República apontar o facto inédito de um primeiro-ministro abandonar funções, no quadro de uma investigação judicial que o atinge direta e pessoalmente e que o próprio chegou a classificar de processo-crime, indo mais longe do que o Ministério Público anunciara em comunicado.
Porém, a par da investigação sobre António Costa, desenrola-se uma outra em que são envolvidos o seu chefe de Gabinete, um ministro (já arguido), um ex-ministro objeto de escutas e também, entre outros, o seu amigo de sempre que sempre chamou em missões (para)oficiais.
Não se trata apenas - e já muito seria - de uma investigação relativa a António Costa, mas, aparentemente, de um megaprocesso que visa uma constelação de nomes do universo da governação socialista.
Com os dados atuais, parte-se do princípio de que a Justiça dispõe de elementos fortíssimos na sua posse. Mau seria que um chefe de Governo – fosse ele quem fosse - se visse obrigado a demitir-se nestas circunstâncias, sem haver contra ele motivos de indiscutível gravidade.
Em todo o caso, mesmo que António Costa não estivesse debaixo de investigação, poucas ou nenhumas condições teria para se manter em funções, tendo em conta a presumível dimensão das acusações e suspeitas judiciais que se abateram sobre pessoas que faziam parte do seu círculo político mais próximo.
Se Marcelo Rebelo de Sousa optar pela convocação de eleições, sobram duas questões: saber o calendário e perceber quem vai gerir o país até ao ato eleitoral.
No que respeita ao calendário, seria útil que o orçamento de Estado, já votado na generalidade, pudesse ser aprovado na especialidade até ao fim de Novembro e entrasse em vigor no mês de Janeiro.
Se as eleições forem em março, um novo Governo não terá condições de aprovar um orçamento antes do final do primeiro semestre ou provavelmente até mais tarde. É preferível viver com um orçamento discutível a sobreviver com o país ‘ligado à máquina’, em regime de duodécimos.
No contexto conturbado que vivemos - tanto interna como externamente - é importante tudo fazer para credibilizar o funcionamento do país. E se há instabilidade política pelas razões que sabemos, seria útil que a economia não fosse demasiadamente contagiada, porque dela depende a estabilidade da vida das pessoas e, sobretudo, dos portugueses mais pobres.
Relativamente ao governo de gestão, não é impossível (recorde-se novamente o Governo de Lurdes Pintasilgo) a formação de um novo Executivo, apenas com funções de gestão até à realização de eleições.
A formação de um novo Governo com o mandato de gerir o país até às eleições seria mais morosa, mas daria mais tempo ao PS para desenhar nova liderança. No entanto, essa não é a solução habitual. Por regra, o governo demitido passa a governo de gestão, uma vez dissolvido o parlamento.
E se assim for novamente, sobra um problema: como evitar que António e Costa e João Galamba se arrastem no Governo durante mais três, quatro ou cinco meses? Será necessário encontrar na Constituição um fórmula aceitável para que tal não aconteça.
Ainda que em funções de gestão, não é aconselhável que um primeiro-ministro debaixo de um inquérito judicial e que um ministro arguido, caso de João Galamba, se mantenham em funções. Não é bom para os próprios e muito menos para o prestígio das Instituições.