“A cultura é cara, a incultura é mais cara ainda”. A frase de Sophia foi publicada num artigo do jornal Expresso em 1975. O contexto era outro. Mas como a podemos olhar em 2019? O desafio foi lançado a várias personalidades que participaram na edição número 20 das Correntes d’Escritas – o festival de expressão ibérica que decorre anualmente na Póvoa de Varzim.
Num tempo em que se questiona se há razão para tantos festivais literários, foi no palco de um dos mais antigos e carismáticos evento de letras que foi debatido esse valor da cultura. Sobre o tema falaram, entre outros, um ex-primeiro-ministro, um ex-ministro da justiça e um ex-titular da cultura.
Álvaro Laborinho Lúcio lembra a frase completa que Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu a 12 de julho de 1975, em pleno PREC. “A cultura é cara, mas a incultura é ainda mais cara e a demagogia é caríssima.” O antigo ministro da justiça sublinhou a importância da educação nos tempos atuais. À Renascença Laborinho Lúcio afirma que “há uma inversão de poder que é preocupante. A incultura hoje também tem poder. Muito do que vamos assistindo hoje, e que nos preocupa muito é uma certa sublevação daqueles que usam a incultura ou são usados pela incultura acrescentando-lhes uma dimensão de poder.”
Na Póvoa de Varzim, perante uma sala cheia, o ex-primeiro ministro Francisco Pinto Balsemão fez questão de trazer todo o artigo assinado por Sophia no jornal semanário que criou. Nas páginas do Expresso estão frases “lapidares” diz o fundador do PSD. Pinto Balsemão, que recordou a poeta com quem partilhou os tempos da assembleia constituinte, considerou que as palavras de Sophia traduzem “um ato de coragem” no contexto de 1975.
Em declarações à Renascença, Francisco Pinto Balsemão alertou para os perigos da ideia com que Sophia conclui a frase, a demagogia. Nas palavras do empresário dos media: “Por causa da demagogia, acabamos por pagar preços muito altos, seja na cultura, na política ou nos negócios. Com a agravante que na cultura, a demagogia serve projetos políticos mais ou menos escondidos”
Convocado também a falar sobre a ideia deixada por Sophia foi o ex-ministro da cultura José António Pinto Ribeiro. Na sala dos atos do Cine-Teatro Garrett, o advogado destacou a dimensão da língua portuguesa e da cultura que a une. Num festival literário de expressão ibérica, Pinto Ribeiro alertou para a necessidade de serem “tomadas medidas para proteger a língua” tendo em conta que a UNESCO prevê que “95% das línguas terão acabado no ano de 2100”. O antigo governante considerou “incrível” que Portugal não tenha uma Academia da Língua Portuguesa. Noutro dos comentários sobre a atual situação, Pinto Ribeiro foi critico quanto á situação da Biblioteca Nacional onde há mais de uma centena de espólios de escritores portugueses por digitalizar.
Reflexões escutadas em sessões moderadas pelos jornalistas José Carlos Vasconcelos e Carlos Vaz Marques na vigésima edição do festival Correntes d’Escritas que decorreu na Póvoa de Varzim e que na maior edição de sempre – juntando 140 escritores – registou das maiores enchentes de público. Nem as cadeiras do Cine-Teatro chegaram. As sessões tiveram quase sempre gente sentada pelo chão para ouvir o que têm a dizer aqueles que escrevem.