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O meu primeiro confinamento começou no princípio de março (acho que uma semana depois de Portugal) quando estava em San Diego na Califórnia. De repente fechou tudo e só podíamos sair de casa para coisas essenciais como ir ao supermercado ou hospital. Como trabalhava online, pude continuar a trabalhar de casa, mas as aulas de ténis que dava na altura foram todas canceladas. O meu marido que é piloto de helicópteros na Marinha Americana e é considerado essencial, por isso continuou a trabalhar como se nada fosse. Aos poucos comecei a ficar mais assustada e isolada porque não saía de casa e ia ouvindo as notícias sobre mais casos e mortes. A única coisa que me dava alguma sanidade mental eram uns vídeos que o meu ginásio punha online e me faziam saltar, mexer e suar.
A corrida aos supermercados tinha começado e não se podia encontrar papel higiénico e desinfectante em lado nenhum. Nós evitámos participar nessa corrida e fomos usando o que tínhamos em casa até ser mesmo necessário ir às compras. Lembro-me muito bem da primeira visita ao supermercado. As máscaras eram obrigatórias e ao entrar tive a sensação de que era o fim do mundo. Fiquei com lágrimas nos olhos (talvez tenha visto demasiados filmes apocalípticos). Mal sabia na altura que esta era a nova realidade e que estava aqui para ficar.
Os casos começaram a aumentar e já se ouvia falar de infeções perto de onde morava. Os enfermeiros e hospitais tinham falta de máscaras, estavam a chegar à exaustão e por isso organizei uma angariação de fundos online para um cabaz de agradecimento a uma enfermeira amiga que partilhou com os seus colegas de hospital.
Depois de várias semanas, os infectados diários começaram a diminuir e certos estabelecimentos puderam abrir e os restaurantes podiam fazer take-away. Aos poucos fomos tendo mais liberdade e pude ver alguns dos meus amigos.
Entretanto, chegou o processo de nos mudarmos para Guam (território Americano na Ásia) cuja data, por causa da pandemia, continuava a ser adiada. Finalmente, quando recebemos uma data, enviámos o carro e as coisas todas da casa e ficámos só com um colchão de ar e as roupas que cabiam na bagagem. Tive sorte que antes de nos irmos embora consegui ver muitos dos meus amigos de quem me pude despedir. Adorei viver em San Diego e recomendo a todos os que leiam isto que visitem. Até há uma Avenida de Portugal e um clube português, fundado na maioria por Açorianos e Madeirenses que se mudaram para San Diego para a pesca de atum.
A viagem para Guam foi muito longa, sempre de máscara, mas correu tudo bem. À chegada já tínhamos uma casa onde iríamos morar e foi aí que passámos os 14 longos dias de quarentena. Durante essas semanas fui correr algumas vezes (sempre ao fim do dia ou de manhã cedo porque o clima é muito quente e húmido) e em cada uma dessas corridas fui atacada por uns pássaros pretos, os drongos, nativos da Ásia e agressivos, como muitos outros animais na ilha. Surpreendida, sprintei e gritei como se estivesse a lutar pela vida. Agora já sei que a solução é fazer barulho com palmas ou uma garrafa de plástico.
Também, nessas duas semanas, graças à tecnologia e as redes sociais (nem tudo no Facebook é negativo), encontrei um grupo com quem poderia vir jogar e dar aulas de ténis aqui na base. Passados os 14 dias e já com mais liberdade, comecei a aprender a jogar golf (vivemos mesmo ao lado do clube), a ir à praia (há imensas e lindíssimas), a jogar e dar aulas de ténis e a mergulhar já que a água aqui é quente e transparente e a vida marinha abundante. Life was good!
Tudo estava a correr bem até que agosto trouxe um surto enorme de casos na ilha e a governadora ordenou o confinamento. Estamos há quase quatro semanas nisto e raramente saio de casa (voltei aos vídeos e ao exercício online). Entretanto também houve um caso positivo no esquadrão do meu marido, por isso ele teve de ser testado e posto em quarentena (mais uma vez).
Felizmente o teste veio negativo, mas nem assim escapou aos 14 dias de isolamento. Agora estou com esperança que as coisas melhorem e possamos voltar a abrir aos poucos.
Mais uma vez, graças à tecnologia e às redes sociais, tenho feito imensas amizades online e “conheci” várias Portuguesas casadas com militares americanos (até criei um grupo). Uma delas mora aqui na base e estamos à espera que as coisas abram para ir tomar um café. Se há alguma coisa positiva no meio disto tudo são as amizades que tenho feito, os livros que tenho lido, as refeições que temos cozinhado, e o tempo que tenho passado com o meu marido.
Agora é só esperar que a situação melhore para pôr em práctica todos os objectivos que tracei nas intermináveis horas de reflexão sofridas.
*Carlota Plantier LeFon tem 38 anos e foi estudar para os EUA em 2005. Atualmente é consultura para uma empresa de saúde e bem-estar e treinadora de ténis. Vive desde julho em Guam com o seu marido, que é militar.