​O Médio Oriente e a reeleição de Trump
13-01-2020 - 06:30

Ter mandado matar o general Soleimani pode ser um trunfo para a reeleição de Trump. Mas em sentido contrário jogam a probabilidade de o Irão vir a ter uma bomba nuclear. E a necessidade de enviar mais soldados americanos para o Médio Oriente.

Milhares de iranianos têm protestado, em fúria, nas ruas do Irão contra os seus governantes, por estes durante três dias lhes terem mentido sobre a responsabilidade do abate do avião ucraniano. Essa responsabilidade cabe diretamente aos Guardas da Revolução, os mais radicais apoiantes da teocracia vigente naquele país. As enormes multidões que acompanharam a urna com o corpo do general Soleimani parecem ter-se desvanecido.

É um trunfo eleitoral para Trump, que já começou a comparar a sua ousadia à prudência dos seus antecessores, George W. Bush e Obama, que recusaram assassinar Soleimani. Mas outros fatores jogam em sentido desfavorável a Trump.

Um desses fatores é o abandono de quaisquer limitações, por parte de Teerão, no caminho para fabricar armas nucleares. Trump rasgou o acordo nuclear de 2015 e reforçou as sanções económicas ao Irão. Há dias solicitou aos países europeus que subscreveram aquele acordo que seguissem o seu exemplo – mas esses países mantém a atitude contrária: tentam salvar o acordo. Também teve escasso sentido e nulo acolhimento a proposta de Trump de que a NATO se envolvesse mais no Médio Oriente.

Trump é um isolacionista e prometeu retirar soldados americanos de guerras onde não têm sido felizes. Entretanto, Putin e Erdogan preenchem o vazio político na Líbia e na Síria. Recentemente, por pressão turca, Trump retirou militares da Síria, traindo os curdos que foram decisivos no combate ao “Estado Islâmico”. Mas agora é o Iraque que quer a retirada dos soldados americanos do seu território.

Trump vai ter que enviar mais – e não menos – soldados para o Médio Oriente. No Iraque eles são necessários, para não só proteger a embaixada americana em Bagdad, como para defender instalações militares americanas de ataques das várias milícias locais pró-Irão e pró-xiitas. Ora mandar mais soldados para o estrangeiro não será favorável à reeleição de Trump, o seu grande objetivo.

Foi, aliás, com a desastrada invasão americana do Iraque, em 2003, que os sarilhos no Médio Oriente começaram a multiplicar-se. E foram os neoconservadores que rodeavam George W. Bush quem iniciou a viragem ideológica que culminou em Trump.

Na euforia da vitória dos EUA na guerra fria, os neoconservadores promoveram uma atitude triunfalista em Washington, em que, nos negócios, valia tudo para ganhar muito dinheiro, e na política externa o uso da força primava sobre o direito, as alianças permanentes (como a NATO) eram desprezadas em favor de entendimentos ocasionais, e grupos de extrema-direita, como o “Tea Party”, passaram a mandar no partido republicano.

Trump domina hoje o partido republicano. E deixou cair bandeiras tradicionais desse partido, como o comércio livre ou o equilíbrio das contas federais. É um presidente perigoso pela sua falta de sentido de Estado. Mas não se deve esquecer quem lhe preparou o caminho.