Costa jogou na ansiedade, mas Passos fintou e facturou nos números
17-09-2015 - 17:22
 • João Carlos Malta

A Renascença acompanhou os bastidores do “Debate decisivo parte 2”. Não houve “mestificações”, não houve “plafonamento”, nem “Sócrates”. Houve “Lesboa” e as prestações sociais. Sem gráficos, Costa teve mais dificuldade em explicar os números.

Num jogo com duas partes, muitas vezes a equipa que está em vantagem fica mais tempo no balneário. A ideia é aumentar a ansiedade a quem precisa de recuperar no marcador e fica a esperar pelo adversário. A maioria dos analistas deu a vitória a António Costa no debate televisivo e o socialista deixou Passos sentado em frente aos três entrevistadores das rádios durante sete minutos.

Tic-tac-tic-tac. O tempo passava e nada de Costa. Já havia algum desconforto, quando Passos quebrou o gelo.

“Hoje estamos mais perto, pode ser que nos ouçamos melhor”, começa por dizer o primeiro-ministro para o trio de jornalistas (Graça Franco, directora de informação da Renascença, Paulo Baldaia, director da TSF, e Maria Flor Pedroso, editora de política da Antena 1). “O som era pior”, continuava Passos.

O tempo passava, 10h01, 10h02, 10h03 e nada de Costa. Já antes, os dois candidatos a primeiro-ministro tinham chegado 25 minutos atrasados. O secretário-geral do PS devia chegar ao local do debate às 9h25 e Passos às 9h30. Começou a circular a informação que Costa estaria preso no trânsito, o que levou Passos a esperar pelo adversário num ponto perto do Museu da Electricidade, junto ao Tejo.

Já em cima da hora, os dois chegaram separados por quatro minutos, ambos sorridentes e acompanhados pelas “entourages” que servem também o “boneco” destas ocasiões. O menu da imagem inclui sempre um cumprimento bem-disposto e uma troca de palavras momentâneas.

Sem gráficos é mais difícil

Ao entrar no “terreno de jogo”, Passos seguiu de imediato para a cadeira que lhe estava destinada. O socialista não, desceu ao camarim. Ficou lá por dez minutos.

Passos começa a dar mostras de preocupação com os ritmos das rádios que o atraso do oponente podia prejudicar. Franze as sobrancelhas e atira: “Isto não é muito bom, por causa das ‘brancas’”, disse Passos.

“Não há ‘brancas’ em rádios”, respondeu sorridente Flor Pedroso.

“Põe publicidade?”, pergunta o governante.

“Têm de ‘encher’ durante estes minutos”, respondem-lhe com recurso a gíria jornalística.

Finalmente, António Costa chega. Sonoro cumprimento de mão acompanhado da enunciação do nome do aniversário. Sorrisos para as fotos. Tudo preparado para o começo, falta só verificar o equipamento.

Se há uma semana os gráficos foram o ponta-de-lança de Costa, esta quinta-feira ficaram no banco. A rádio não ajuda muito nos elementos gráficos. Era preciso saber explicá-los.

Já Passos, que no primeiro debate levou apenas um bloco e uma folha, não reforçou muito os auxiliares. Mas sempre trazia mais um dossiê com documentos. Costa não se separou da pasta preta na qual o programa do PS tem lugar cativo.

Postura vencedora ou contra-ataque?

Se o “pré-match” num jornal diário dizia que Costa ia manter a “postura vencedora” e Passos ia mudar a táctica para um maior arrojo, os primeiros minutos não desmentiram o prognóstico. A Europa levou Costa a dizer que “o PS era o campeão do europeísmo”.

Passos deixou Sócrates no banco e apostou no ataque através do programa do PS. Tentou encostar Costa às cordas, quando o tema foi, como ele diz, “Lesboa”. O pagamento dos terrenos do aeroporto, que permitiram a Costa abater a dívida da autarquia, mas fizeram aumentar a dívida pública, foi alvo de discórdia.

Bola cá, bola lá e Passos remata a dizer que, sem a compra daqueles terrenos, Costa não se podia gabar da dívida da autarquia que liderou. Trocando por miúdos, foi Passos que fez o favor ao socialista.

O candidato socialista ainda tentou mais algumas vezes desestabilizar Passos com provocações: “Eu sei que tem de ser embirrento”, “é preciso muita lata”, “não se irrite” ou “não é a agressividade que lhe dá razão”.

Passos nunca caiu na esparela e até retorquia: “Não faça insinuações dessas. Não precisa disso”. Ao contrário do que acontecera nas televisões, as rádios permitiram mais réplicas, mais tempo, mais detalhe. Soube-se mais hoje.

O “megawattimetro”

A troca de argumentos prosseguiu até ao momento do debate. Graça Franco, directora de informação da Renascença, perguntou a Costa como iria poupar mil milhões em prestações sociais não contributivas.

Se estivesse ligado, o “megawattimetro” que decorava o cenário do debate teria atingido a descarga máxima. Passos sentiu Costa a patinar, Costa tentou sair do caso com recurso à concertação (social). O caso ficou. E o socialista até teve de o ir explicá-lo às redes sociais.

Mais de 1h45 depois, o debate terminava, com Passos a interromper Flor Pedroso para deixar no ar a possibilidade de um novo debate nas rádios. O primeiro-ministro estava mais falador.

“Aqui as regras foram mais negociáveis [em relação às televisões] e penso que o debate foi mais esclarecedor. E os jornalistas não falaram uns por cima dos outros”, elogiou Passos.

Mais meia-dúzia de palavras e a conversa amistosa estava terminada. Costa ficou com Mário Centeno (responsável pelo programa económico do PS) e Duarte Cordeiro (director da campanha do PS) a trocar as primeiras impressões, enquanto Passos desceu ao camarim anunciando: “Vou limpar rapidamente a cara”.

Estava terminado o “Debate Decisivo parte 2”. As persianas agora abertas deixavam entrar a luz, o Tejo voltou a aparecer nas janelas, e ficou também mais claro o que cada um dos candidatos a primeiro-ministro defende. Com uma certeza: é diferente.