O PS atrai o voto do eleitorado mais velho e a preferência dos eleitores mais instruídos vai para os partidos de direita. Esta é uma das conclusões de um estudo dos especialistas em sondagens e ciência política, Pedro Magalhães e João Cancela.
As conclusões dos dois autores têm por base um estudo da Pitagórica, que partilhou com os investigadores os dados da sondagem à boca das urnas que realizaram no dia 30, em que mediram não apenas o voto mas também o sexo, a idade e a instrução de todos os inquiridos. Estes dados deram assim “pistas importantes sobre as bases sociais dos partidos”.
Ao que se sabia até aqui, homens e mulheres não votavam de forma sistematicamente diferente. Portugal parecia uma das poucas democracias europeias onde isso sucedia. O “gender gap” moderno — o voto feminino mais à esquerda do que o voto masculino — não tinha chegado ainda a Portugal.
Mas em 2022, finalmente o eleitorado português deixou de ser uma exceção.
PS, BE e PAN tiveram um apoio desproporcionalmente mais alto entre as mulheres que votaram, e o oposto sucedeu com o PSD, a IL, a CDU e (especialmente) o Chega.
Os resultados mostram que, entre as mulheres, a esquerda e o centro-esquerda (se lhe juntarmos o PAN) somaram 58% no Continente, entre os homens, 49%.
Se olharmos para o Chega, quase dois em cada três dos eleitores que votaram no partido de André Ventura são homens. No outro extremo, duas em cada três votantes dos PAN foram mulheres.
Os investigadores concluem que, em parte, o “modern gender gap” português “é criado por novos partidos, com capacidades de atração muito diferentes para homens e mulheres”. Ainda assim, “a feminização dos votantes de um partido grande e estabelecido como o PS também contribuiu para esse fenómeno”.
Iniciativa jovem
Se olharmos para a idade dos votantes e as suas escolhas, até aqui, esclarecem os autores do estudo, as marcas mais evidentes eram a de o BE atrair as camadas mais jovens e o PS e o PSD o eleitorado mais velho (apesar de desde 2015, os sociais-democratas terem mais dificuldade em fixar estes votantes). Mas na eleição de 30 de janeiro, registaram-se mudanças.
Em 2022, “as relações entre a idade e o voto no PS e no BE permaneceram fortes”.
Verifica-se que entre os votantes com mais de 54 anos — mais do que um terço do total dos votantes no Continente — o PS recolheu 51% dos votos, contra apenas 27% entre os eleitores com menos de 25 anos.
Cerca de metade dos quase 2,4 milhões de votos que os socialistas obtiveram são de eleitores com mais de 54 anos.
Pelo contrário, o BE obteve 8% entre os mais jovens e apenas 3% entre os mais velhos.
O PSD conseguiu ser mais apelativo do que o PS para os votantes com menos de 25 anos (29% vs. 27%). Entre os mais velhos teve uma derrota estrondosa (51% vs. 28%).
Em relação aos partidos mais recentes — Chega, PAN, Livre e especialmente Iniciativa Liberal — foram desproporcionalmente mais apoiados pelos votantes mais jovens.
Entre os menores de 25 anos, os partidos de direita ou centro-direita receberam 50% dos votos. Na faixa etária com mais de 54 anos, apenas 37%.
Os dois autores salientam que a grande diferença aqui é a motivada pela IL, que “é por uma confortável margem o terceiro partido mais votado entre os eleitores mais jovens”.
Direita mais escolarizada
Em relação à instrução, Pedro Magalhães e João Cancela assinalam que até aqui os dados que estavam disponíveis demonstravam que “o PS tem tido mais apoio entre o eleitorado menos instruído, em contraste com o BE e o PSD, onde acontecia o inverso”.
Os autores frisam ainda que com o PSD nem sempre tal sucedeu, mas a partir das eleições de 2011 acentuou-se a sua dependência do eleitorado com maiores níveis de instrução.
Este ano, PS, BE e PSD “mantiveram os seus perfis básicos”. Os socialistas tiveram muito mais apoio entre os votantes com escolaridade inferior ao secundário do que entre os que têm licenciatura (55% vs. 31%).
No BE e no PSD ocorreu o inverso, assim como com o Livre e PAN. Mas nada disto se aproxima do padrão da IL, onde a desproporção foi enorme: votaram na IL 9% dos votantes com ensino superior, contra 1% dos que têm menos que o secundário.
No caso do Chega, tem menos apoio entre os universitários, mas apoio não muito maior entre os que têm menos que o secundário. É entre o escalão intermédio — votantes com o ensino secundário— que o Chega teve mais votos em termos relativos (10%).
Por fim, Pedro Magalhães e João Cancela concluem que a aproximação da campanha ao ato eleitoral de janeiro foi caracterizada por um ambiente de incerteza “que desembocou num desfecho que muitos terão considerado surpreendente”.
Prometem que, ao longo dos próximos meses, e talvez anos, é de esperar que a investigação se debruce sobre uma série de questões relacionadas “com os cálculos utilitários dos eleitores, o papel das lideranças e da comunicação política, as perceções sobre a economia e o impacto da pandemia no próprio ato eleitoral”.