Lacerda Sales chama todo o Governo a jogo. Esforço negocial "não pode ser só do ministro da Saúde"
06-11-2023 - 07:00
 • Susana Madureira Martins

O antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde diz que Pizarro "tem que ter obviamente a colaboração e a amplitude de decisão" das pastas das Finanças e da Administração Pública nas negociações com os médicos.

Para quarta-feira está marcada uma nova reunião entre o Ministério da Saúde e os sindicatos dos médicos e António Lacerda Sales alerta contra o arrastar das rondas. "Normalmente, significam perdas de posição em termos negociais" e "um desgaste na relação" entre as partes.

Numa curta conversa com a Renascença, António Lacerda Sales pede a intervenção de todos os órgãos de soberania, profissionais de saúde e "agentes responsáveis" para se chegar "rapidamente" a um acordo.

O ex-secretário de Estado de Marta Temido pede ainda aos sindicatos que não optem pelo "tudo ou nada", admitindo que o Governo pode responder às reivindicações dos médicos "de forma faseada no tempo".

Há mais uma ronda de negociações falhada entre o ministro da Saúde e os sindicatos dos médicos. Isto surpreende-o?

Diria que me provoca um misto de preocupação e de esperança. Um misto de preocupação porque entendo que a nossa população, que é uma população demograficamente envelhecida, com muitas necessidades na área da saúde, com uma carga de doença muito alta, tem que ter as suas urgências abertas, tem que ter acesso às suas consultas, aos seus tratamentos, às suas cirurgias. O Serviço Nacional de Saúde tem de regressar rapidamente àquilo que é a sua missão principal, que não pode, nem deve transformar-se num palco de disputa laboral que venha a comprometer aquilo que é a saúde dos cidadãos. É muito importante estabilizar rapidamente o setor e adquirir a paz social, encontrando soluções duradouras que possam contribuir para a normalização da situação.

Também tenho um misto de sentimento de esperança, porque é importante que se conjuguem as legítimas aspirações dos profissionais de saúde com aquilo que é este interesse dos utentes, dos cidadãos, mas também obviamente aquilo que são os recursos do país. Para podermos fazer uma boa reforma, uma boa reestruturação do sistema, uma boa reorganização do trabalho, é necessário que os profissionais de saúde estejam disponíveis para colaborar e só se conseguem fazer reformas se os profissionais estiverem ao lado destas reformas. Portanto, aqui vai a minha palavra de esperança também.

Da parte dos sindicatos há um esticar da corda ou, pelo contrário, há da parte do Governo e do Ministério da Saúde uma inflexibilidade que não se compreende?

Do lado dos sindicatos não se pode utilizar uma maximização das soluções, isto é, do "tudo ou nada". Tem que haver uma confluência e por isso é que é uma mesa negocial, entre aquilo que são algumas cedências por parte do Governo, como tem acontecido, mas também algumas cedências por parte dos sindicatos. Isso muitas vezes faz-se com pontos de equilíbrio, indo ao encontro daquilo que são as pretensões dos sindicatos ou parte das pretensões dos sindicatos de uma forma faseada no tempo. Também é muito importante que não haja um arrastamento das mesas negociais, porque, normalmente, significam perdas de posição em termos negociais de ambas as partes. Isso leva, normalmente, a uma certa perda de sensibilidade, a um desgaste na relação, à criação de alguma incerteza, instabilidade, retirando aquilo que é o foco das prioridades. É muito importante rapidamente haver um acordo para que não se arraste eternamente estas negociações.

Acredita que há aqui um problema que não é propriamente do ministro da Saúde, mas por parte do Ministério das Finanças?

Não, o Governo é um só. Acredito que o Governo tem que funcionar como um só. A tutela da Saúde, a tutela da Administração Pública, a tutela das Finanças. Até pela experiência que tive. Tive a colaboração também do Ministério das Finanças e não só, da Administração Pública, que tem muita importância também nesta mesa negocial. E, portanto, este esforço tem que ser um esforço conjunto. Não pode ser só do Ministro da Saúde que tutela o setor, mas tem que ter obviamente a colaboração e a amplitude de decisão dos dois Ministérios que referi, obviamente. E por razões, também óbvias, do Ministério das Finanças, como referiu.

Depois das reuniões desta semana entre o Presidente da República e os partidos, espera que o Presidente da República tenha uma posição mais firme sobre esta questão? Era útil fazê-lo?

O Serviço Nacional de Saúde é muito importante para o país, para as pessoas, para a coesão social e para a tranquilidade da comunidade. Como estamos num tempo de grande exigência, acho que estamos na fase de se convocarem todos os agentes responsáveis, desde o Presidente da República, aos membros do Governo, enfim, a todos os agentes responsáveis cuja dimensão social e ética vai muito para além de interesses específicos.

É necessário criar um ciclo de motivação, de crença, interrompendo um ciclo de desmotivação e descrença e substituí-lo por um ciclo de esperança e de mobilização. Isso consegue-se convocando, não só os órgãos de soberania, como todos os profissionais de saúde, todos os cidadãos, associações de doentes, para conseguir chegar rapidamente a um acordo para que possamos ter urgências abertas, para que possamos ter consultas a tempo e horas, cirurgia, acesso à medicação.

Temos uma população vulnerável. Mais de 1 milhão de pessoas com índice de pobreza, muitas vezes em regiões do interior que precisam de ter em proximidade os seus serviços de urgência abertos, precisam de ter acesso aos seus centros de saúde e aos hospitais em tempo em tempo previsível e em tempo útil.